Eu não sei bem ao certo como acontece nos outros estados, mas aqui, em Minas Gerais, os policias militares não pagam para andar de ônibus, ao contrário dos professores que não gozam deste benefício. Aqui o policial é respeitado, é "quase" idolatrado por sua história de combate ao crime, é bem remunerado (o que faz com que os concursos para trabalhar na área sejam disputadíssimos, ainda que não haja vocação para a profissão), além de contar com apenas uma greve em sua longa existência.
Já os professores não são tão prestigiados pela sociedade em geral. São vistos como gente que não foi capaz de estudar o suficiente para passar em outro curso qualquer que lhes dessem maior remuneração. São em sua maioria, muito mal remunerados. E quando vão ás ruas pedir melhores condições salariais e de trabalho, a sociedade reclama do trânsito impedido pelos manifestantes, reclama do fato de seus filhos estarem em casa perturbando em vez de estarem na escola (é creche?). Dizem que os professores deveriam ter escolhido uma profissão que desse dinheiro ao invés de ficarem reclamando de seus salários nas ruas a cada ano que passa.
Na verdade, o tal do professor é uma pessoa que se propôs a trabalhar com vários aspectos da vida humana. Vida humana que lhe chega pela pessoa do aluno. O "aluno" não é aquele "sem luz" como alguns dizem, mas "o menino que se faz discípulo", segundo o dicionário Houaiss. E o professor é alguém interessado não apenas em capacitar o aluno para os afazeres técnicos do trabalho, mas também da vida social como um todo. Paulo Freire foi um professor que expressou isto da seguinte maneira: "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor". A educação transmitida pelo professor não fica, assim, limitada ao mero ensino da aritmética e do bê-á-bá. Ela é também um meio de transformação social.
Esse tal de professor muito se parece com um cara meio maluco e meio santo que apareceu na Galileia no primeiro século. Ele morava sozinho no deserto, comia mel e gafanhotos, vestia-se com peles de camelo e vivia chamando seus contemporâneos à mudança de mentalidade ("metanoia"). Seu nome era João Batista. Ele também não era muito popular entre seus pares sociais. E não é que o mataram? O primo dele, Jesus Cristo de Nazaré, também era um tipo de professor. Ele, Jesus, depois de bater um papo com seu primo professor, João, ficou apaixonado pela docência, largou a carpintaria e saiu país à fora "pregando" e "ensinando".
Jesus afirmava que seu primo havia lhe preparado o caminho para sua missão de vida, assim como fazem os bons professores que despertam em seus alunos o desejo pela docência. Os alunos de Jesus, por sua vez, não arredavam o pé de suas aulas. Teve um deles que disse que não queria ir embora pra casa, porque aquele era um professor que ensinava coisas que tornavam a vida mais bela.
Jesus ensinou tal qual um professor de História, falando do terrível sistema opressor romano que não dignificava o ser humano. Falou também da importância das cotas em seu tempo, uma vez que os pobres deveriam ter preferência e reparo, dada a desigualdade social. Falou ainda do passado, reinterpretando tudo o que se tinha como "História Oficial", deixando os outros professores de seu tempo de cabelo em pé. A paixão de Cristo pelo ensino foi definida por ele mesmo "ágape", isto é, amava com amor de entrega total. Viveu de doações, porque desde aquela época o tal do professor é mal remunerado.
Certa vez numa passeata com seus alunos pela capital do país, ele questionou todo o sistema propondo que se eles derrubassem aquilo que tinham como base do ensino, em três dias o próprio Jesus faria a maior reforma educacional da história da humanidade. Eles não apenas não aceitaram como também na mesma semana deram cabo em sua vida. Quem a sociedade encarregou de matá-lo? Os policiais militares da época, os soldados romanos. Mas não puderam o calar. Seu modo de ensinar foi tão impactante que seus alunos levaram adiante o que dele aprenderam e, assim, viveram e morreram por aquilo. Levaram com tanta paixão que ainda hoje podemos ouvir ecos do que ensinou aquele professor nazareno do século primeiro.
É bem verdade que alguns não vocacionadas ouviram seus ensinamentos e tentaram tirar proveito e lucrar com aquilo. São conhecidos como maus professores. O primeiro deles foi um tal de Judas. Tiveram outros ao longo da história e ainda hoje professores não vocacionados se prestam a ensinar relaxada e descompromissadamente pessoas famintas pelo saber. Infelizmente, isso gera nos alunos desinteresse, aversão, não-transformação e outros sentimentos ruins pelo estudo. Assim, tudo o que os bons professores, como o professor de Nazaré e o professor Paulo Freire fizeram no passado vai aos poucos caindo no esquecimento. Consequentemente, possíveis vocacionados não vão tendo a oportunidade de encontrar com os bons professores que acendem a centelha da paixão pela docência, como fez o primo de Jesus.
Os futuros bons professores, hoje ainda em forma de alunos, precisam se encontrar com bons professores pelo caminho para que suas vidas realmente sofram uma "metanoia". E, desta maneira, sentir seus corações inflamar pela docência, tornando-se bons professores, que vão às ruas reivindicar por melhores condições e que também vão entrar na sala de aula com a mesma paixão que ensinou o professor de Nazaré. Este último abriu mão de certo prestigio social, de seu negocio próprio, que lhe rendia remuneração financeira maior que a vida de professor. Abriu mão de tudo por amor "ágape" àqueles que faziam sua própria vida fazer sentido: seus muitos alunos que ainda hoje são, por ele, inspirados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário