(Da direita para a esquerda: o morto, Anúbis e o monstro, Thot e Osíris)
De "coração quebrantado" a "de bom coração": vocês não vão acreditar qual é a origem do uso da palavra "coração" como expressão do interior do ser humano!
Não é surpreendente que o motivo do tornar pesado (ou endurecimento) do coração de Faraó retorne constantemente ao longo da narrativa do Êxodo do Egito. Por exemplo, no capítulo 10 do livro de Êxodo, Deus fala a Moisés "Vai a Faraó, porque tenho tornado pesado o seu coração". Em diferentes lugares da Bíblia, os órgãos internos do Homem, principalmente seus rins e coração, são descritos como órgãos que proveem abrigo às profundezas da alma do ser humano e como os lugares nos quais são maturadas suas decisões mais pessoais e importantes. Daí, não é distante o caminho para a ideia, que é retomada e ensinada na literatura bíblica, que vê no coração o reflexo fiel das características de alguém.
Então, qual é a origem daquele entendimento que dá ao coração a função de refletir o que está na interioridade? É possível que seja o mundo de idéias e religião dos egípcios antigos e o exame da pesagem do coração.
Os antigos egípcios criam no conceito de juízo que acontecia depois da morte. Neste julgamento, era pesado o coração do homem sobre uma balança diante da deusa Ma'at, que incorporava a justiça, a verdade e a ordem correta do mundo. O coração da pessoa que, em vida, agiu conforme a Ma'at, ficaria leve sobre o prato da balança, sendo contado como digno de ganhar a vida eterna no reino do rei do mundo dos mortos, o deus Osíris.
Mas, se o coração fosse pesado de pecados, seria sentenciado aos animais da destruição e perdição. O coração pecador seria comido pelo monstro "engolidor" - uma mistura de crocodilo, leão e hipopótamo -, que permanecia embaixo da balança.
O relevo na foto, exibido no átrio de uma tumba egípcia, tem desenhados nele a pesagem do coração do dono da tumba. O deus que tem a cabeça de chacal, Anúbis, calibra a balança, enquanto Thot, patrono dos escribas, faz o relatório dos resultados do julgamento a Osíris, descrito como o rei das múmias. Conforme é possível ver no relevo, o coração do morto é mais leve do que Ma'at, conseguindo a vida eterna no mundo dos mortos. Descrições do juízo dos mortos foram usados como métodos mágicos, para garantir que o morto sairia inocente do julgamento e, por isso, frequentemente mostram também os resultados que seriam esperados.
"Coração pesado" aparece no Antigo Testamento somente no contexto da narrativa do Êxodo do Egito. Talvez não seja casual que o autor bíblico tenha escolhido utilizar justamente essa expressão, que alude à ideia de maldade no Antigo Egito, conforme é expressada no julgamento dos mortos.
Prestem atenção que, até hoje, nós utilizamos a palavra "coração" para expressar qualidades e estados psíquicos como "coração pleno", "coração de ouro" etc.
Tradução: Erike Couto
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