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5 de ago. de 2011

Teologia tupiniquim entre projeto e repetição


por Hermes Santos

A teologia sul-americana, quando ganhou consciência de si no século XX, tendeu a se constituir em torno de um eixo: o da política. As condições sociopolíticas e econômicas de fins dos anos 50 e década de 60 em diante permitiram a forja de um pensamento teológico de expressão sul-americana que se perguntou pelas possibilidades concretas de realização do Reino de Deus, não obstante o uso de categorias da filosofia política marxista, tomadas de empréstimo da teologia política europeia. Nasceu, então, a chamada "teologia da libertação" que, confrontada com os seus semelhantes em contexto africano e norte-americano (da emancipação da mulher e do negro), passou a se definir como "teologia da libertação latino-americana".

A TdL assimilou, do marxismo, sobretudo as categorias de "práxis", "trabalho alienado", "superestrutura", dentre outras; da disciplina da sociologia, buscou os métodos analíticos e sua pretensão de cientificidade asséptica. Em poucas ocasiões, o emprego do método sociológico produziu análise aprofundada dos fenômenos correntes na América Latina. A exceção mais notável terá sido a presente nos trabalhos de José Míguez Bonino, teológo da libertação que teve maior penetração dialógica no mundo intelectual norte-americano e europeu depois de Gustavo Gutiérrez. No Brasil, os dois nomes mais influentes foram os dos católicos: a) Leonardo Boff, cujos desenvolvimentos cristológicos e soteriológicos lhe trouxeram a vigilância mais acirrada da cúria romana, e; b) Clodovis Boff, que assumiu a tarefa epistemológica de pensar a razoabilidade do discurso da TdL. Por sua penetração imediata na vida da igreja católica, através das CEB's, a TdL mostrou-se um discurso carregado de vitalidade e capaz de insuflar nos meios populares questões que, antes, refugiavam-se nas escolas de teologia. Agora, a teologia assumiu sua dimensão prática como razão de ser; tornou-se eminentemente pastoral. Entre os protestantes, sobretudo no Brasil, a TdL ainda permanece marginal, vista com enorme desconfiança pelas lideranças evangélicas. Luteranos e metodistas, em especial, têm se prodigalizado na reflexão e pastoral libertárias, em diálogo permanente com os católicos (teólogos e leigos).

A partir da década de 80, com as objeções metodológicas e pastorais vindas de todos os lados - no catolicismo, com a repressão dura da cúria através dos processos eclesiásticos de cassação da licença docente ("venia docendi") de alguns teólogos, como L. Boff, por ex. - , assim como o desenvolvimento econômico de algumas nações latino-americanas (Brasil, Argentina e Chile) e o fim das principais ditaduras de direita no continente, o discurso buscou refinamento, evitando a exposição da realidade sociopolítica pelo viés maniqueísta de outrora.

Décadas depois, ainda é possível afirmar que a TdL lançou raízes mais longas, resistindo nas várias pastorais da igreja católica e das igrejas protestantes (metodistas e luteranas); porém, sua vitalidade teórica diminuiu consideravelmente. Assim que, as supramencionadas figuras mais pródigas da TdL, no Brasil, Leonardo Boff e Clodovis Boff tomaram direções quase mesmo antagônicas em relação a suas posições iniciais. Leonardo Boff, excomungado pela Sagrada Congregação para Doutrina da Fé (antigo Tribunal do Santo Ofício), sob a chefia do então cardeal Josef Ratzinger (hoje, Papa Bento XVI), agora atua como professor de Ética na UERJ, tem concentrado seus esforços na tarefa ecumênica e na discussão ecológica e, ainda que sugira vez ou outra a interdependência dos temas, não consegue convencer disso seu público. Clódovis Boff, por seu turno, deu uma guinada ainda mais radical, ao que parece, ao revelar o que considerou "erros" de ênfase da TdL, sobretudo seu compromisso com o marxismo como instrumento analítico de leitura da realidade. Sua guinada conservadora, associada à falta de intelectuais mais jovens capazes de defender as premissas básicas da TdL trouxeram ao movimento uma sensação de quase-orfandade - ainda que aqui e ali, algum nome, como o de João Batista Libâneo, jesuíta, prof. de teologia na FAJE (Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia), em MG, insista numa certa "efervescência" no interior dessa corrente teológica -, além de esvaziamento.

Se a TdL ainda pretende representar uma legítima expressão teológica latino-americana e ou tupiniquim, precisa, antes de tudo, se reinventar, repropor-se, convencer a geração atual de sua relevância para as igrejas cristãs e para a sociedade não-cristã, secularizada e plural. Nesse processo de reinvenção, precisa definir se se repete - e, com isso, repetir também os ecos de seus empréstimos da teologia política europeia -, mas, com isso, perde relevância; ou se se assume como projeto e, nesse sentido, como "fazer a caminho", como se disse tantas vezes.

No ambiente protestante evangelical brasileiro, ganhou expressão a chamada "teologia da missão integral" que, sem assumir a polarização político-ideológica, preconizou o compromisso duplo da missão cristã como meios de realização do Reino: evangelização e intervenção social. Os documentos produzidos nos Congressos internacionais de evangelização, sobretudo no Primeiro de Lausanne (Suíça), de 1974, intitulado "Pacto de Lausanne" definiu as estratégias dos evangelicais para alcançar o mundo carente de Deus com a proclamação cristã e a o trabalho social. A Teologia da Missão Integral compartilha com a TdL seu interesse prático; assim que, não houve até hoje esforço consistente da parte de teólogos do movimento com vistas à produção de textos dogmáticos densos que explicitem a posição daqueles que subscreveram o "Pacto". Por ocasião do 3. Congresso na Cidade do Cabo em outubro de 2010, líderes vinculados ao movimento como o pastor, escritor e conferencista John Sott e o evangelista e escritor Billy Graham enviaram saudações aos presentes que, elaboraram, ali, uma Confissão de Fé e outros documentos reveladores de propósitos e definidores de agenda. A pluralidade do movimento, entretanto, além de certa resistência ao unilateralismo dogmático, impedem elaboração de uma teologia consistente do movimento, fora das expressôes locais.

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