Frases

9 de dez. de 2011

O meu velório


Nos últimos dois anos fui a um número considerável de velórios, e isso me fez pensar em como eu gostaria que fosse o meu velório. Pode parecer estranho alguém de vinte e sete anos pensar em seu próprio funeral, mas desde já gostaria de deixa explícita a minha vontade. Ainda que não seja respeitada.

Quero que no meu velório as pessoas sejam sinceras. Sim, por favor façam o que está no coração de vocês! Falem de como eu era, enquanto alma vivente. Falem de como eu soltava pums e vocês gentilmente fingiam não ter ouvido o som destes só para não me constranger. Falem de muitas vezes minha barba dava um aspecto de alguém desleixado. Falem que eu era um glutão. Contem para todos os penetras de velório que eu dizia coisas desconexas e sem sentido. Mas não ocultem que era um sonhador. Anunciem aos desavisados que eu não tinha paciência com minha esposa. Falem sobre que enquanto eu pregava eu soltava bolinhas de cuspe, durante o discurso. Lembrem a todos que eu era um gordinho apaixonado pela vida. Não me deem coroas de flores que serviram apenas para feder o ambiente já fétido devido ao crisântemo. Me dê um buquê em vida para que eu possa sentir o aroma das flores e apalpar as pétalas macias.

Não contem mentiras e nem façam elogios infundados. Não! Não digam que fui um bom marido, quando eu não fui. Não pronunciem que "combati o bom combate" e "guardei a fé", se a minha fé tiver perdido as suas pétalas pelo caminho. Não machuque os ouvidos do Eu-Defunto dizendo o quanto era importante á vocês, mas nunca se lembraram de orar por mim. Não falem que fui para um lugar melhor, enquanto no coração de vocês existe a dúvida do post mortem. Não falem coisas vazias de sentido e ausentes da verdade. Não digam o quanto gostavam de mim, quando não gostavam. Que não fiquem fungando o nariz simulando um choro. Por favor, não digam que querem ir comigo se em vida, não puderam me acompanhar até "o outro lado da rua", me deixe em paz agora. Não precisa chorar, basta estar lá e assentar-se ao lados dos meus entes queridos e segurar-lhes as mãos. 

Antes, contem a verdade. Conversem á beira do caixão sobre o quanto eu gostava de bacon, ainda que soubesse o quanto me fazia mal, me deliciei com esta iguaria. Contem piadas. Mas somente as boas. Falem em como eu gostava de interromper um assunto sério com uma inserção lúdica sem graça. Falem que eu pequei muito e não ocultem dos meus menos conhecidos que passei a vida á tropeçar em alguns encalços. Se lembrarem de alguma vez, falem que em algumas eu dei um soco na cara do pecado. Deem risadas contando em como minha entradas cresciam ano após ano. Falem que eu sabia não mais do que dez ou doze notas musicais e adorava brincar com o violão. Falem dos meu pecados. Se sentirem-se á vontade, chorem por alguém que tanto tentou, se é que eu tentei.

Não quero música desapropriada para o momento. Não quero que meus ouvidos sejam tocados pela última vez por músicas triunfalistas ou mesmo derrotistas. Ou pior ainda, música que faça as pessoas chorarem. Não repitam a música que todos já cansaram de ouvir nos velórios. Talvez a já tão batida Mais Perto Quero Estar. Mas somente para o momento do sepultamento. Ouçam Morning Mood de Edvard Grieg, La Vita é Bella de Nicola Piovan, ou alguma coisa do Bach e do meu pianista favorito, o Einaudi.  Poderiam tocar violão? Ei, alguém poderia dançar no meu velório, por favor? Deixem que as outras pessoas pensarem que estão desrespeitando o defunto, quando na verdade o defunto que está desrespeitando a morte. "Onde está, ó morte, o teu aguilhão?" (1 Co 15:55).

Quero que comam pão de queijo com café. Qual seria a graça de um velório de um mineiro que não houvesse pão de queijo? Que Deus me livre deste ultraje! Não sirvam pão com mortadela. Nem aqueles chazinhos de levantar defunto. Só café e pão de queijo. E dos gostosos. Não pequenos, nem muito grandes. O gostoso dos pães de queijo "do tamanho certo" é que você toda hora vai á mesa pegar outro. E quem sabe nessa hora você se esbarra com alguém especial?

Não chamem um pastor para pregar no meu velório. Não quero que a minha morte seja motivo de pregação. Não quero que os meus somente ouçam uma porção das Escrituras no meu velório. Oportunidade de salvação? Entendam uma coisa: se com minha vida não pude ajudar á vocês se aproximarem de Deus, não vai ser nas horas do meu velório que a coisa mudará. É apelativo. É vender plano de saúde na porta do SUS. É vender guarda chuvas para quem está molhado até os ossos. NÃO! É o Sangue de Jesus, isto é a Vida (Dt 12:23), que nos purifica. Sua morte é apenas uma etapa do plano. Jesus não apenas morreu por nós. Ele esvaziou-se, encarnou, viveu, morreu e ressuscitou por nós. Que vocês não esperem que eu morra para se aproximar de Deus. Quero estar de olhos abertos quando isso acontecer. Que todos os que gostavam de mim peçam alguns segundos para falar algo verdadeiro. Ainda que teologicamente incorreto, mas que brote de um coração sincero.

Não façam promessas que jamais cumprirão. Não prometam a minha esposa e futuros filhos, que cuidarão deles. Que os visitarão. Não faça promessas que você não pode cumprir. Não dê uma arma para que sua consciência passe toda a sua vida á te castigar. Não estou pedindo muito, estou?

A Bíblia diz que "melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque naquela está o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração". Vou além do Pregador de Eclesiastes: no velório há maior chance das pessoas serem sinceras e verdadeiras do que nos banquetes. Se há sentimento verdadeiro, o mais forte dos homens, vira menino diante da perda temporária de um ente querido. Então, em nome da Verdade, façam do meu velório um momento onde a Vida seja celebrada. Quero alegria! Não há morte para aqueles que creem em Deus. Porque,
"Disse Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá." João 11:25-26

2 comentários:

  1. Receio não ser tão modesto. Eu gostaria mesmo é de uma Missa em latim com o salmo 22 cantado em italiano...Na procissão de saída eu gostaria de Toccata and Fugue de Bach, não em piano, mas em orgão...rsrsrs. Dessa forma eu seria um defunto de dar inveja em muitos ex-presidentes...rsrs

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  2. Havendo sinceridade em todos os atos, até mesmo um show de rock, cairia bem Luciano. =)

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