Frases

4 de fev. de 2011

A fina arte de ser homem: a vingança das bonecas

Novamente me vi diante de uma dessas situações da vida em que você tem que escolher: manter a imagem fundamental de homem legítimo, aquele personagem que você preserva diante dos amigos e da sociedade, ou agradar aquelas pessoas que realmente ama.

Era um dia de sol como outro qualquer, daqueles em que você acorda, vê o céu azul e se sente disposto a sair com os filhos. Peguei a minha filha, que na época tinha quatro anos, e fomos em uma praça. Até aí tudo bem, não basta ser pai, tem que participar, não é verdade?

O que “pegou” na verdade é que a baixinha levou uma boneca daquelas escandalosas, com cílios enormes, lacinho de fita na cabeça e vestidinho rosa de rendinha, que ela batizou de “Cici”. 

O folgada da “Cici” foi acometida por uma crise de insônia às 10:00 horas, no meio da praça.

Com toda a inocência da idade, minha filha pediu que eu “ninasse” a pobrezinha da Cici. Claro que eu rejeitei tamanho ultraje, mas, os argumentos dela foram infalíveis:

– Papai, se o Senhor não pegar a Cici, ela vai chorar.

– Eu não vou pegar nada.

– Mas papai, se ela chorar eu choro também.

Eu juro que quase pude perceber a Cici dando um sorrisinho daqueles debochados, como se estivesse me perguntando: - E agora José? A minha vontade naquela hora foi de pegar a tal Cici pelos cabelos e esbofeteá-la impiedosamente, mas os olhinhos meigos e doces de minha filha logo afastaram o pensamento brutal.

Totalmente desconcertado, olhei para um lado, para o outro, para trás, para frente, para cima, para baixo e quando tive a certeza que não havia nem uma única alma me observando, peguei a folgada da Cici nos braços, respirei fundo e quando comecei a cantar o “nana neném”, um veículo parou ao meu lado.

Tomei coragem e fingi que nem era comigo, mas, a curiosidade me fez olhar para o carro e qual não foi o meu pavor quando vi uma viatura da polícia e dois policiais da minha Companhia me olhando com uma cara de “Jece Valadão”. Um deles caçoou:

– E aí sargento? Brincando com sua bonequinha heim?

Comecei a suar frio, pensando no longo período de gozações e noites sem dormir que se seguiriam, até que uma luz se acendeu e me perguntei: existia motivo para tanto autoflagelo?

O que realmente é importante para mim? Brincar com minha garotinha, lavar os pratos para a minha esposa, ou manter a pose para um bando de marmanjos babacas, que não sabem o prazer que é brincar de casinha com a filha ou ser gentil com a esposa ou com a mãe.

A partir daí, não me importo mais com o que as pessoas pensam e nem quero ser moldado por padrões pré-estabelecidos, o que eu quero mesmo é que aquelas pessoas que eu amo recordem de mim como o pai, o esposo ou o amigo que conseguia compreender e interagir com os problemas do sexo oposto, sem que isso lhe ferisse a integridade masculina.

A coitadinha da Cici já se foi há muitos anos, mas a influência que ela teve sobre mim vai permanecer enquanto eu viver. Virei especialista em “casinha”, “maquiagem” e “adoletá”. Não perdi minha masculinidade e minha filha ganhou um amigo para sempre.

Maurílio Ribeiro Silva é bacharelando em Teologia pela FATEBH - Centro Metodista Izabela Hendrix.

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