Frases

28 de jan. de 2011

O último soldado japonês: ensaio sobre a educação cristã

por Maurílio Ribeiro da Silva

Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão” Gálatas 5:1.

Ao longo de toda a existência humana, o homem sempre se empenhou em exercer domínio sobre o seu semelhante. Os primeiros instrumentos de domínio foram paus, pedras e a força física. Com o desenvolvimento da civilização surgiram novas armas: domínio econômico, racial, social, ideológico, etc. Dos opressores surgiram os nobres, as famílias reais, os senhores feudais, as capitanias hereditárias, os burgueses, as castas e o clero.

De todas as formas de domínio, sem dúvida, a mais eficaz é a dominação religiosa. Os opressores manipulam o conhecimento de Deus e transformam o oprimido em seu próprio algoz. O oprimido se submete a opressão e julga que seu estado é um desígnio de Deus. Paulo Freire afirma que a liberdade é como um parto doloroso, por isso, poucos homens lutam por ela. Carl Marx foi um incompreendido. Quando afirmou que a religião é o ópio do povo, ele quis dizer que o oprimido se anestesia de sua dor e se acomoda em sua desesperança, supondo ser esta obra e arte de Deus. Um homem sem conhecimento é facilmente dominado.

Julgo fundamental afirmar minha posição. Não sou marxista nem de corrente esquerdista. Considero o discurso contra a opressão legitimamente cristão e sua base encontra-se nos evangelhos e nos sermões de Jesus Cristo.

Nenhum ciclo de domínio seria perfeito sem uma prática pedagógica que lhe desse suporte. A repetição de conteúdos previamente determinados e delineados mantém o homem andando em círculos, caminhando sempre e nunca saindo do lugar. É o saber a serviço da opressão, é o homem programado para perpetuar as tradições opressoras.

Os educadores não comunicam, fazem “comunicados”. Não ensinam , fazem “depósitos”. Nessa concepção “bancária”, o saber é uma doação, um benefício feito por quem detêm o conhecimento a quem nada sabe e supostamente não poderia saber de outra forma.

Os opressores depositam o conhecimento em pequenas quantias, detendo para si as maiores riquezas, afinal, saber é poder e poder não se compartilha. Paulo escrevendo aos colossenses disse: “Instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente, em toda a sabedoria” Colossenses 3: 16. O processo de conhecimento que liberta o homem é gerado na interação entre os indivíduos, especialmente entre aluno e professor. Sabiamente, Carl Marx, afirmou que “o educador deve também ser educado” (3ª tese sobre Feuerbach).

Qual a importância do conhecimento? Ele pode ser uma arma contra a opressão? Não será a simplicidade mais importante? O modo de ser e agir de uma pessoa é influenciado pela forma como ela entende o significado das coisas.

O soldado japonês Hiroo Onoda, foi enviado a ilha tropical de Lubang nas Filipinas, no início da 2ª guerra mundial. Onoda ficou isolado naquela ilha, afastado de qualquer fonte de informação. A guerra acabou, mas, ele não ficou sabendo e continuou escondido nas montanhas da ilha por vinte e nove anos, mantendo seu posto.

O governo filipino, descobriu a presença de Onoda após cinco anos do fim da guerra, e por vinte e quatro anos tentou resgatá-lo sem sucesso. Para manter o seu posto, Onoda chegou a matar alguns filipinos. Panfletos foram jogados nas montanhas da ilha, noticiando o fim da guerra, porém, Onoda lutou bravamente contra todas as tentativas de resgate.

Por fim, o governo japonês interviu e reconvocou o antigo comandante de Onoda. Ele vestiu novamente a farda, viajou até a ilha e pediu que Onoda se entregasse. Em seguida, Onoda saiu da montanha vestindo sua farda, portando espada, rifle calibre 25, mais de quinhentos cartuchos e inúmeras granadas. Sua guerra havia finalmente acabado.

Onoda possuía vontade férrea, integridade, honestidade, fidelidade, porém, lutava em uma guerra perdida. Tudo isso por falta de conhecimento. Isso demonstra que todas as boas ações, toda a humildade e simplicidade podem ser em vão, se não houver conhecimento. Ao longo de nossas vidas também lutamos em várias batalhas perdidas.

Não basta apenas adquirir o conhecimento, é necessário reagir a ele. Lutar com ele como Jacó lutou contra Deus, para então se render a sua benção. Júlio Zabatiero em seu livro “Novos caminhos para a educação” disse que as pessoas não estão acostumadas a reagir ativamente aos conteúdos a que são expostas no cotidiano. Quem dera se todos nós fôssemos como o povo de Beréia. Quem dera se todos nós ousássemos duvidar do que aprendemos, mesmo que em seguida abracemos isso como o último fôlego de vida. Paulo Freire escreveu que o homem sofre por falta de dúvidas. Homens certos de si e certos daquilo que sabem, não estão abertos a aprendizagem, se endurecem em suas próprias certezas.

Os fariseus eram exemplo disso. Além de não aprender nada mais, praticavam a educação “bancária”. Eles ensinavam aos homens o suficiente para mantê-los ligados às tradições e aos costumes, aprisionados em uma hermenêutica puramente religiosa. Jesus, ao contrário, ensinava para a vida, para a liberdade. Ele possuía uma maneira única de ensinar: “Assentado no meio dos mestres, ouvindo-os e interrogando-os” Lucas 2: 46-47. Na pedagogia de Jesus, o mestre, precisava ouvir e perguntar, para a partir daí, ensinar.

Jesus também não era um prisioneiro do templo. Ele ensinava nas praças, nas sinagogas, nos barcos, nas casas, nas ruas, nas montanhas. Como cantou o poeta: o artista vai onde o povo está.

Enquanto reflito, me vem a memória um comercial de TV, um desses raros casos de genialidade profunda: “não são as respostas que movem o mundo e sim as perguntas”.

Referências:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
_______. Pedagogia da esperança, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
ZABATIERO, Júlio. Novos caminhos para a educação cristã, São Paulo: 2009.
DANIEL, Eugênio. Antropologia, educação e ética, Batatais, SP: 2010

Maurílio Ribeiro Silva é bacharelando em Teologia pela FATEBH - Centro Metodista Izabela Hendrix.

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