por Maurílio Ribeiro Silva
Ano novo, vida nova, novos sonhos, novas esperanças, novas realizações. É habitual e desejável cultuar as improváveis mudanças de ano novo. Sempre fiz isso como forma de vencer o marasmo do calor e das chuvas de janeiro. Não me lembro se consegui executar pelo menos uma promessa de ano novo.
Nesse ano a história foi diferente. Vi muitas esperanças escoando pelas enchorradas da vida. Os problemas graves de saúde na família foram somados aos problemas do dia a dia. Como se não bastasse, eu e minha família fomos ridicularizados em público.
Confesso que é uma experiência frustrante ver pessoas que supostamente te consideram, rindo de você, enquanto seus filhos te observam com olhos miúdos.
Tentando aliviar a tensão, peguei estrada com a família e fui a um sítio de amigos (de verdade), no município de Juatuba. Apesar do consolo dos amigos, naquele momento só Deus me consolaria. Aproveitando a distração dos amigos e da esposa, caminhei na chuva.
Há muito tempo eu aprendi a observar tudo ao meu redor. Compreendi que Deus nos fala de diversas formas e algumas, inclusive, nada ortodoxas.
Alguns metros e eu deparei com um urubu solitário, no meio da estrada comendo uma carcaça. Não sei quem ficou mais desconfiado, se fui eu ou o urubu. Ele me olhou meio de lado e virou cautelosamente em minha direção. Percebi que ele mancava da perna esquerda, provavelmente quebrada pela interação com a vida urbana ou por algum outro urubu rival.
Ficamos ali, parados, um olhando o outro enquanto chovia. Não vi outros urubus por perto. Qual bando vai querer um aleijado?
Observando atentamente aquele bicho feio, me veio a mente um paradoxo: o pavão. A exuberante cauda do pavão representa tudo que um urubu jamais será, ainda mais um urubu manco.
Senti pena do urubu. Para falar a verdade, me enxerguei nele. Desconfortável com aquela situação, o urubu bateu asas e voou. Observei seu vôo até que ele se misturou às nuvens turvas.
A resposta estava dada. Lembrei novamente do pavão. Apesar de toda a beleza, ele só consegue voar de forma estabanada e por poucos metros. Ele também não possui outra função que não seja a ornamentação e ainda pior, vive em cativeiro.
Não me importei mais com o aspecto repugnante com que os “pavões” me pintaram. Eu não estou em cativeiro, não sirvo de enfeite para as pessoas e apesar de ser manco e não ostentar um “título emplumado”, posso voar para qualquer lugar que Deus me enviar, com a liberdade que só os desprezados possuem.
Maurílio Ribeiro Silva é bacharelando em Teologia pela FATEBH e alguém que cansou de apanhar de "ungidos".
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