Pouco após a morte de seu mestre, um grupo de seguidores alcançou certa admiração das pessoas devido o seu modo de viver e se relacionar com a nova vida proposta pelo seu mestre. Eles se reuniam numa parte do Templo onde até mesmo as mulheres podiam ouvi-los - sua Mensagem rompia barreiras de gêneros na sociedade patriarcal. Embora houvesse admiração por parte do povo pelos seguidores de Jesus, não eram todos que se sentiam confortáveis em andar junto a eles, pois os seguidores acreditavam que seu mestre era o Messias prometido.
E aconteceu que o sumo sacerdote e alguns aliados saduceus não ficaram contentes com aquele grupo de pescadores e cobradores de impostos desempregados, pobres e, agora, sem um mestre. O grupo liderado pelo sumo sacerdote interveio naquela situação que colocava em xeque as suas bases de fé e lançou-lhes na cadeia da cidade. No entanto, um anjo interveio de forma miraculosa abrindo as portas da cadeia e libertou os seguidores de Jesus que voltaram aos templo e continuaram a anunciar a Mensagem.
No dia seguinte o sumo sacerdote convocou uma assembléia para julgar aqueles baderneiros e foi surpreendido com uma cela vazia. Vazia como o sepulcro do mestre dos subversivos do século primeiro. Mas não foi difícil encontrá-los, pois eles voltaram para o Templo para anunciar o que já não podiam guardar em segredo: estava em seus olhos; em seu modo de compartilhar o pão; no sentimento de unidade. E numa nova intervenção eles foram levados á assembléia.
Convictos de que sua Mensagem fazia sentido e preenchia as lacunas abertas em seus corações, eles falaram abertamente do seu Cristo a seus inquisidores. Tal ato inflamou o auditório e enfurecidos os religiosos queriam por fim a vida daqueles homens. Nisso surge um outro personagem fazendo uma nova intervenção, o Mestre da Lei e fariseu, Gamaliel. O respeitado Mestre da Lei pediu que retirassem os seguidores de Jesus da sala e discursou em favor daqueles que não tinham ninguém a seu favor.
Gamaliel lembra a seus irmãos israelitas que Jesus não era o primeiro homem a ser considerado um Messias entre eles. Lembrou-lhes de Teudas que tinha quatrocentos seguidores e que, no entanto, após sua morte eles foram dispersados. Lembrou-lhe ainda de Judas, o Galileu, que tinha certo número de seguidores e após sua morte o mesmo acontecera aos seus seguidores. Convencidos, a assembléia decide libertar os seguidores de Jesus, mas não sem antes marcá-los com chibatadas.
Das três intervenções, duas merecem destaque nesta história: a dos religiosos e a do Mestre da Lei. Os religiosos liderados pelo sumo sacerdote levantou-se contra aqueles que pensavam diferente deles. Levantaram-se contra aqueles que não tem voz política, econômica e militar para que suas ideias não ganhassem espaço. Se aproveitaram de sua posição junto ao governo romano para silenciar os pobres seguidores de um Cristo que não deixou herança financeira: "não tenho nem ouro nem prata". Desse modo, levantaram-se contra uma minoria, julgando em causa própria.
A intervenção de Gamaliel, que embora fosse de um homem religioso que gozava de respeito no meio dos religiosos, não interveio em causa própria. Antes, defendeu o direito de um povo que acreditava num deus que se encarnou, viveu comumente, morreu decadentemente e ressuscitou em esplendor. Defendeu o direito de quem não tinha voz diante os poderosos. Defendeu gratuitamente aqueles que não tinham dinheiro para pagar um defensor. Defendeu o direito do outro acreditar num deus diferente do seu.
O discurso de Gamaliel fez menção a pessoas que se levantaram como líderes, Messias, em prol da libertação do povo e que, contudo, morreram. Ao defender aqueles homens que alvoroçavam a capital da fé judaica no século primeiro, Gamaliel seguro de suas próprias convicções religiosas não suprime a possibilidade das convicções do outro serem oriundas do próprio Deus. Talvez naquele momento o Mestre da Lei não soubesse ainda, mas ao defender aqueles oprimidos arruaceiros estava defendendo o próprio Deus. Quando deixou a possibilidade da dúvida em aberto ele, ainda que sem querer, testifica sobre o Cristo ressurreto e vivo.
O que aprendo com o quinto capítulo do livro de Atos dos Apóstolos, é que quando me coloco ao lado dos mais fracos assumo o lado de Deus diante de um conflito. Ainda que o mais fraco não pertença ao meu gueto de fé, não leia o meu livro sagrado ou sequer seja um teísta. Sou impelido pela minha fé no ressurreto a intervir em favor do mais fraco. Talvez eu jamais consiga fazer um mudo falar, mas certamente posso ajudar aqueles que têm sua voz suprimida por qualquer tipo de opressão, sejam ouvidos. É na minha intervenção pelo outro que faço com que o meu Cristo esteja vivo para o mundo que me cerca.
Talvez a maior barreira que a minha fé precise romper seja a barreira da minha inércia em relação ao mundo.