Frases

22 de fev. de 2013

Joubert, o pequeno rebelde


A primeira vez que eu o vi foi num dia sábado de sol quente e muito futebol na rua, derrubando latas. Ele passou por nós correndo como que fugindo de uma prisão rumo á liberdade. Seus cabelos compridos e loiros se agitavam pelo vento enquanto ele atravessava o nosso "campinho" desenhado com riscos de tijolo. Alguns dos meninos o conheciam. Joubert era seu nome e ele estava fugindo do orfanato que exista próximo a casa da minha família. O Joubert é muito louco! - os meninos diziam com apreciação.

Um lar despedaçado em pedaços pequenos pela bebida, traições, mentiras e outros abusos. Uma família antes unida e agora fragmentada pelos erros de um e de todos. Coisas que não fiquei sabendo naquele dia que o menino de oito anos atravessou a rua fugindo para a casa de seu pai que morava pouco depois de minha casa. Ele fugia para encontrar seu pai.

Conheci seu pai pelo o que os adultos diziam sobre ele. Um beberrão que gosta de fazer orgias em sua piscina, diziam. Só me lembro do Opala branco fazendo a curva que ficava no fim de nosso campinho correndo muito, para subir a ladeira. Para mim era apenas alguém que gostava de correr e não tinha medo de atropelar um dos meninos que ali jogavam bola.

O tempo passou e descobri que Joubert morava no orfanato por decisão da Justiça, devido a briga entre os pais que os tornou inadequados para ficar com a guarda do menino. Mesmo assim, Joubert era fascinado pelo pai e suas fugas eram constantes. O mesmo sentimento não nutria pela mãe, o porquê eu nunca soube. Quando se separaram, o irmão e irmã mais velhos foram morar com a mãe. Quando seu pai obteve sua guarda, Joubert foi morar com a madrasta e dois irmãos do novo matrimônio do pai. Foi morando lá que ele me ensinou a burlar o telefone público para ganhar créditos no celular pré-pago.

Andava com camisas pretas do Nirvana e Megadeth. Gostava muito de rock. Morava numa casa bonita e grande. Tinha piscina. Embora eu nunca tivesse sido convidado para nadar lá, sei que muitos que eram mais próximos a ele foram lá se divertir. Seu pai tinha uma oficina mecânica na parte da frente da casa e lá aprendeu o ofício do pai. Mais tarde, quando nos tornamos mais próximo, ele me salvou diversas vezes quando eu saia com o carro do meu pai e dava alguma pane longe de casa. Uma vez ele me rebocou com uma corda por um bairro inteiro até a oficina. Demorou alguns anos para nos torar próximos. Foi logo após voltarmos do interior onde minha família morou por quase dois anos.

Éramos jovens, eu quase dezoito e ele com seus quinze anos - quase dezesseis, ele dizia. Ele dirigia o Uno de seu pai para todos os lados e sempre dávamos voltas pelos bairros próximos. Conversávamos sobre garotas, futebol, religião, etc. Ele até começou a frequentar uma igreja na época. Havia uma garota muito bonita chamada Daniela, e todos eram apaixonados por ela. Ela tinha dezenove. Joubert conseguiu a façanha de trocar alguns beijos com ela. Mas depois ela se interessou por mim, talvez por ser um pouco mais velho que ele. Ele chegou até mim e disse: Cara, ela é demais! Você vai gostar. Aproveite! Pouco a pouco começamos a desenvolver uma amizade.

Algum tempo depois vi Joubert correndo pela rua a noite, agora sem seus longos cabelos e com dezesseis completos. Quando chegou até mim disse que seu irmão mais velho estava querendo matar seu pai para ficar com a herança e que agora estava atrás dele também. Ajudei-lhe a se esconder aquela noite. Os dias se passaram com aquela constante tensão em sua casa. Seu irmão passava na porta de moto dando tiros no muro para amedrontar o pai. Ele disse que seu pai prometeu vender tudo, mudar para algum interior e recomeçar a vida. Foi nesta época que conheci minha esposa e começamos a namorar. 

Um dia recebo uma ligação de meu irmão dizendo que o irmão mais velho do Joubert invadiu a oficina do pai dele e distribuiu vários tiros e um destes acertou o Joubert no pescoço. O tiro não o matou, mas lhe deixou em estado delicado no hospital. Decidi esperar para ir no hospital no outro dia pela manhã. Por motivos que não consigo explicar protelei minha ida para o fim do dia. Mas ao entardecer o Joubert veio a falecer devido a uma infecção hospitalar.

Foi a pior dor que senti em minha vida, um misto de raiva, indignação e culpa. Meu irmão que o visitou naquela manhã, disse-me que ele perguntou quando eu iria vê-lo. Ele queria me mostrar o tamanho do buraco em seu pescoço, disse sorrindo. Visitar ao Joubert era algo que eu faria por ele, para que ele se sentisse amparado e amado. Não visitá-lo foi algo, um mal, que fiz a mim mesmo para o resto da minha vida. Sempre me pergunto como teria sido nossa última conversa. Desde então ele me vem a cabeça sempre. Pedi e peço perdão a Deus desde aquele dia. Não como um fantasma, mas como uma voz que me conquistou e me amou como a um irmão. E eu não tenho nem uma foto...

Este ano faz dez anos que estou pedindo perdão ao Joubert e a Deus. Faz dez anos que estou ansioso para dizer isso e muito mais ao Joubert pessoalmente. Sei que o farei no dia quando Deus me recolher de volta a Ele. Por hora, fica aqui minha ingratidão e eterna gratidão, meu pequeno rebelde.
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