Estava almoçando quando um colega do trabalho reproduziu em seu celular o canto de pássaros e sorrindo disse: "São os meus Trinca-Ferro. Sou apaixonado pelo canto deles. Tenho seis além de mais dez Canários". Perguntei se ele tinha um viveiro para tantos pássaros e ele me respondeu assim: "Não, eu tenho gaiolas. Em viveiro eles cansam muito de voar e, assim, cantam muito pouco".
Fiquei refletindo sobre aquilo e cheguei a seguinte conclusão: Meu colega gosta dos pássaros pela beleza de seu canto e não dos pássaros em si. Afirmo isso, pois se verdadeiramente gostasse dos pássaros, os deixariam livres para ser aquilo que nasceram para fazer melhor: ser pássaros, livres para voar e cantar quando lhes aprouver. Logo, é pelo anseio de beleza que ele cria pássaros.
Tom Wright afirma em seu livro Simplesmente Cristão que "Deus é aquele que satisfaz a paixão por justiça, o anseio por espiritualidade, a fome por relacionamentos e o desejo por beleza [...] A beleza aponta para algo além desse mundo presente, para algo completamente diferente". Ansiamos por beleza durante toda a nossa vida. O belo atrai nossa atenção e desperta a nossa alma para a espiritualidade que aquece o coração e nos torna mais sensíveis a Deus. Quem nunca sentiu-se invadido por sensações indescritíveis quando leu um belo poema de tirar o fôlego? Ou quando escutou uma música que trouxe arrepios e suspiros? Ou ainda quando teve os olhos preenchidos pela mais bela paisagem? Para Wright a beleza seria o eco de algo maior; um eco do próprio Deus.
No entanto, existem aqueles que na busca pela beleza acabam aprisionando-a em suas gaiolas. De forma destoante da essência do Criador constroem barreiras, muros, se armam contra tudo e todos que também desejam o belo, aprisionando, assim, o que é gratuitamente oferecido por Deus a toda criação. Quando o belo é enclausurado ele passa a ser servo do dono da gaiola. E domesticado á vontade de outro, a beleza não pode alçar voos de liberdade. Fica limitado á vontade de poucos.
O que dizer das pessoas que tentam enclausurar Deus dentro da gaiola de suas igrejas, como se apenas ali houvesse Deus? Ou dentro de seus parâmetros de interpretação bíblica, tendo os demais leitores que pensam diferente como hereges que vão contra a sã doutrina? Ou ainda dentro da própria Bíblia? Ou dentro do próprio Cristianismo? Contudo, não existe gaiola que seja capaz de silenciar Deus que com seu canto faz ecoar dentro de cada alma paz, esperança e amor. E o faz de forma livre, como o vento (Jo 3).
Gaiolas domesticam o selvagem e o torna impróprio para a vida em liberdade. Faz com que Pai de todos seja de Pai de poucos (Ef 4). Elas mantém fora o que não quer do lado de dentro e dentro o que não quer do lado de fora, como se fosse o dono da gaiola detentor da beleza que revela Deus. Que as gaiolas sejam abertas! Que como a promessa do Novo Céu (Ap 21), suas portas nunca estejam fechadas para que o que belo possa ser encontrado por todos os povos, sejam eles cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, hindus e ateus. Afinal de contas, disse Jesus: "Ainda tenho outros pássaros que não são deste viveiro; que também me convém agregar estes, e eles ouvirão o meu canto, e haverá um bando e um Criador" (Jo 10:16).