Começa hoje no blog uma nova série que entitulei Ecos da Cruz. A razão da escolha é que tomarei como ponto de partida a vida, morte e ressurreição de Cristo para falar dos temas. A proposta desta série é uma tentativa de jogar luz sobre alguns temas difundidos nas igrejas, que na minha opinião correspondem a interpretações limitadas da Bíblia, o que muitas vezes geram uma visão destoante da religião cristã.
Não farei uma abordagem sistemática dos temas, uma vez que ficaria exaustivo para mim e para os leitores. Farei uso de todas as ferramentas de exegese, que julgar necessário, buscando não priorizar uma em detrimento de outras. Espero que os leitores vejam as minhas propostas de leitura como possibilidades e não como a definição última e máxima sobre os temas, pois, essa não é minha intenção.
O tema do Julgamento é difundido em todas as igrejas cristãs do mundo. Em algumas comunidades é dada extrema ênfase sobre este ato/momento como o apaziguamento da ira de Deus através do julgamento de toda a humanidade. Para alguns este ato/momento é quando Deus irá separar "os bodes das ovelhas". Os primeiros seriam levados ao inferno e os segundos para o Céu. Em suma, é o momento ansiosamente aguardado, por alguns que pensam que irão julgar até mesmo os anjos. Talvez seja por isso que uma parte dos cristãos seja perita em condenar pessoas ao inferno.
O Antigo Testamento é repleto de passagens que falam sobre o Juízo de Deus. No entanto, quando avaliados á luz de seu contexto percebemos que são conclusões pertencentes a um determinado espaço de tempo, por exemplo, frente às ameaças das nações vizinhas citadas pelos profetas. Em algumas, Deus seria responsável e colocaria outros povos para condenar o povo a mando dEle (Is 34.5). Como entender, á luz disso, o Deus que nos manda perdoar e que se chama por "Amor"? Cabe fazer aqui uma ressalva.
Muito da compreensão veterotestamentária sobre Deus dá-se na seguinte fórmula: em tempos de paz e prosperidade, "Deus está conosco"; em tempos de guerra e seca, "Estamos em pecado" e, portanto, "Deus nos abandonou" (c.f. relatos cíclicos do livro de Juízes; Dt 28 á luz de JEDP). Para termos então uma melhor apreciação da pessoa de Deus é preciso olhar para o Cristo, que diz: "Se vocês me conhecessem de fato, conheceriam o Pai também. De agora em diante, vocês o conhecem, porque já o viram!" (Jo 14.7, A Mensagem). Logo, a orientação para compreendermos a questão do Julgamento, está no Cristo.
Falando de si mesmo, Jesus disse afirma que Deus deu-lhe "autoridade para decidir e executar tudo que se refere ao juízo divino". E aos ouvintes adverte para que "não fiquem surpresos, pois está chegando o tempo em que todos os mortos ouvirão sua voz e os que viveram no caminho reto ressuscitarão para a Vida; os que viveram no caminho errado ressuscitarão para o juízo" (Mt 5.28). Ele falava do Julgamento Final de Deus, conforme disse o profeta Joel (cap. 3).
Joel afirmou que Deus iria ajuntar todas as nações no vale de Jeosafá, também conhecido como vale de Cedrom, e julgaria as nações por causa de Israel. O Evangelho de João narra que Jesus logo após orar pelos seus discípulos, atravessa o vale de Cedrom, até chegar a um jardim (Getsêmani). Ali ele é preso e levado a julgamento pelos soldados. No Getsêmani, jardim do lagar, o Julgamento de Deus sobre a humanidade acontece e o representante dos homens é o próprio Cristo. Logo após a morte, "muitos mortos de santos que dormiam foram ressucitados" (Mt 27.52). Conforme prometeu, "os que viveram no caminho errado ressuscitarão para o juízo".
Jesus anunciou sua missão através da leitura de Isaías 61, tempo "da graça e de destruição dos inimigos", onde leva sobre ele "o castigo que nos traz a paz", isto é, a condenação do Julgamento de Deus sobre a humanidade na "plenitude dos tempos", como observou Paulo. Em Cristo o mundo é julgado, condenado e perdoado, pois, "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação"."Reconciliação", é disso que se trata o resultado do Julgamento de Deus sobre nós que recebemos pela graça de Deus.
A graça de Deus é algo tão maravilhoso que perdoa até mesmo as ofensas cometidas após alguém se tornar um cristão. O escritor aos Hebreus expressa isso quando afirma que os que "recaem" agem como que crucificando Cristo novamente, pois na Cruz foram julgados e condenados. Embora essa passagem se refira ao problema dos convertidos á Cristo que sofriam com as acusações dos judaizantes por não obedecer determinadas observâncias da Lei e por conseguinte, voltavam-se para a Lei, podemos ver como este escritor compreendia o Julgamento.
Jesus atravessou o Cedrom, lugar onde Deus se assentou para julgar, e na Cruz recebe a condenação do Julgamento. Dizer que há um novo tipo de julgamento futuro, é menosprezar o ato salvífico de Deus através de seu Filho Jesus. Todo e qualquer texto anterior e posterior á Cristo deve ser lido pelo óculos da Cruz. No A. T. lemos: "Então jubilarão as árvores dos bosques perante o Senhor; porquanto vem julgar a terra" (1 Cr 16.33). Este texto é seguido por: "Rendam graças ao Senhor, pois ele é bom; a sua misericórdia dura para sempre" (ḥas·dōw - amor; bondade, fidelidade). O Julgamento encontra-se com a misericórdia e o resultado é o Cristo.
No N. T. Paulo exorta a comunidade de Corinto por seus atos onde a misericórdia era negada aos irmãos da comunidade. Ele afirma que os irmãos devem ser julgados, em caso de contendas, pelos membros da comunidade e não pelos "injustos". Em muitas pregações que ouvi durante minha vida cristã, tal texto foi utilizado como respaldo para um julgamento dos "justos" sobre os "injustos". Um terrível engano.
Todos os atos/momentos de Julgamento que um cristão deve esperar, são atos/momentos onde a graça sobrepuja a justiça, nas palavras de Tiago "a misericórdia triunfa do juízo". O cristão nunca pode deixar de ter em mente que o Juiz (Sl 50.6) é o mesmo quem advoga a favor do acusado (1 Jo 2.1). Quando Jesus alerta sobre o pesar do nosso julgamento com as pessoas, ele diz que seríamos julgados pelas pessoas e não por Deus. Nesse caso não se trata de um julgamento divino e sim entre nós humanos. Portanto,
"Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida." Rm 5.18
"Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida." Rm 5.18
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