Frases

23 de nov. de 2011

O Dilúvio, o batismo e as pombas


Ao nos depararmos com o episódio do Dilúvio, podemos refletir sobre o caráter de Deus, que em Jesus se auto-denomina Amor. Como pode um Deus que ama, destruir toda a Sua criação, que Ele afirma amar a tal ponto de morrer por ela (Jo 3:16)?

Neste ponto vou em sentido contrário: o Dilúvio não é um ato de destruição, mas de redenção da humanidade.

A trama começa no sexto capítulo de Gênesis com a estranha mistura dos Filhos de Deus com as Filhas do homens. Tal ato deixou Deus impaciente com a criação e determinou que não viveriam mais do que cento e vinte anos.  Isso fez com que os Pais da Igreja interpretassem a passagem como a união dos filhos de Set com as filhas de Caim¹. Tal tentativa seria para se alcançar a imortalidade, devido A Queda.

Pelo desenrolar dos capítulos seguintes que compõem a narrativa do Dilúvio, vemos que a tentativa falhou: a maldade espalhou-se, o homem já corrompido tornou-se perverso de tal modo que até mesmo os animais entram na lista de eliminação da terra, por Deus.

Surge então a figura de Noé, homem tal qual Jó, era justo e perfeito, e que aos olhos de Deus era gracioso. Noé foi então o escolhido por Deus para dar início a nova criação que Ele pretendia com o Dilúvio. Era o fim da perversão, violência e perversidade dos homens. Bradou o Criador:
"Chegou o fim de toda carne!" (Gn 6:13)
E Deus manda seu escolhido, Noé, construir uma arca. Arca², que também pode significar cofre. Deus tinha algo preciosos para armazenar no Cofre de Noé. Deus, desejando o fim da maldade, dá a chance de remissão a Sua criação através da família de Noé. Deus promete que ao término do Dilúvio Ele estabeleceria uma aliança. Aliança que Ele chama de "minha aliança". E explicita que tudo aquilo é para "conservar a vida". Não há um ato de punição no evento e sim uma tentativa de salvação do que havia se perdido.

Com o subir das águas, os montes desaparecem em meio a tormenta. Os montes, eram o local onde os judeus compreendiam ser mais próximo do céu³, e agora estavam cobertos pelas muitas águas. As águas cobrindo a terra, traz de volta a cena do caos de Gênesis 1:2. A agitação das águas representavam a ausência de Shalom, que têm na agitação das águas do mar seu símbolo maior. Mas a arca de Noé estava sobre o caos.

No oitavo capítulo a narrativa nos diz que "Deus se lembrou"⁴ de Noé e passa um vento sobre a terra. Para vento, a palavra hebraica é ruah, que também significa espírito. Então Noé solta uma pomba, que volta sem novidades. Pela segunda vez a pomba é solta e desta vez retorna com um ramo novo de oliveira em seu bico.

A Oliveira é a árvore de onde se extrai a azeitona, da qual se extrai o azeite. O azeite fazia parte da vida comunitária, econômica e religiosa do judeu. Era com o azeite que homens eram ungidos á reis. Neste momento a história do Dilúvio se encontra com a história de Jesus.

Jesus em sua primeira pregação pública, após Seu batismo, anuncia: 
"O Espírito do Senhor é sobre mim, Pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados do coração, a pregar liberdade aos cativos, e restauração da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor." (Lc 4:18-19)

Ele se auto-proclama ser Ungido por Deus. Jesus é aquele quem anuncia o fim da maldade. Aquele quem veio para resgatar o perdido. Dá esperança ao pobre. E assim, redimir toda criação. Assim como Noé foi visto como gracioso diante de Deus, o Pai diz sobre o Filho:
"Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo." (Mt 3:17)
Jesus passa pelas águas do batismo de João, e depois de ser tentado no deserto, vai anunciando a necessidade de arrependimento devido a chegada do reino do céus⁵ por onde que que passasse. Em Jesus, Deus chama a toda sua criação ao arrependimento, á metanóia⁶. Convida ao abando das velhas práticas, convida para um recomeço em uma nova criação. Em Noé, Deus havia proposto este recomeço, mas em Jesus, através do Espírito de Deus, o Senhor dá início a nova criação, onde Jesus é o primeiro de muitos que viriam depois.

A arca de Noé passa pelas águas, como num batismo, e uma pomba aponta o caminho da salvação. No batismo de Jesus, o Espírito de Deus, que como uma pomba desce, unge a Jesus com poder e com o próprio Espírito⁷. No batismo de Jesus, Deus brada novamente: "Chegou o fim de toda carne!".

Em Jesus somos chamados a participar da nova criação de Deus. Somos convidados a nascermos novamente, mas desta vez tendo o segundo Adão⁸ como progenitor:
"Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: 'Necessário vos é nascer de novo'. O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito." (Jo 3:5-8)
Somos convidados a passar pelo batismo, que simbolicamente expressa que deixamos para trás o caos, a maldade, a perversidade, a falta de amor, a distância de Deus e tudo mais o que é contrário ao Deus que se chama pelo verbo Amor. Pois,
"[...] a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois a criação foi sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou, todavia com a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia." ( Rms 8:19-22)
Assim como pela terceira vez a pomba não regressa a Noé, o Espírito de Deus, que habita em nós, nos conduz a anunciarmos as boas novas e o novo céu que Deus está preparando para sua criação remida e lavada pelo sangue do Cordeiro.

Em Noé, Deus acaba com a maldade de todos preservando um, em Jesus acaba com a maldade de todos através do sacrifício de apenas Um: ele próprio.

¹ - Não estou esgotando a possibilidade mitológica dos 'heróis' Nefilins, antes faço uma opção pelo desenvolvimento da reflexão;
² - Tevah;
³ - Moisés fala com a sarça que não consumia no monte Horebe; recebeu ainda os mandamentos no monte Sinai; Elias no monte Carmelo enfrenta os sacerdotes de Baal; escondeu-se ainda no monte Horebe após fugir de Jezabel; Jesus tem seu sermão mais importante declamado no monte; e por fim é crucificado em um dos montes de Moriá, onde Isaque seria sacrificado por seu pai Abraão;
⁴ - Mera construção narrativa;
⁵ - Mateus 4:17;
⁶ - "Mudança de mentalidade";
⁷ - Atos 10:38;
⁸ - 1 Co 15:45

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