Frases

4 de nov. de 2011

Jesus, o eschatos de Deus


Gostaria de propor uma visão escatológica. Desde já admito que ela não é de minha autoria e sim um apanhado de várias visões. Contudo digo que ela é bíblica e cristocêntrica, e isso já é o suficiente para começarmos. Vamos lá!

Escatologia vem do grego εσχατος (eschatos), isto é "último" somado ao sufixo λόγια (logia), "conhecimento". Logo, falar sobre escatologia é falar sobre “as coisas do fim” ou “últimas coisas”. Dizem que o segredo de um bom texto é guardar a resposta do mistério postulado no título para o fim, mas vou começar respondendo o título, pois creio ser de suma importância para estabelecimento de algumas bases.
Eu sou o Alfa e o Omega, o princípio e o fim, o primeiro e o último.” Ap 22:13
Jesus no apocalipse de João faz a seguinte afirmação: “sou o primeiro e o último”. A palavra grega usada para último neste verso é exatamente eschatos, ou seja, Jesus afirma ser o último, o fim, de todas as coisas.

Do alto do madeiro, Jesus gritou “Tetélestai” – "Está consumado". As palavras pronunciadas por Jesus na cruz foi de tamanho impacto no mundo que o Evangelho de Mateus relata que o véu do templo se rasga de alto a baixo, tremores sacudiram a terra, pedras racharam, sepulcros romperam-se, gente que havia morrido foi vista andando pela terra e um centurião que acompanhava o martírio de Cristo reconheceu que “verdadeiramente aquele era Filho de Deus” (Mt 27:51-54).

Sendo Jesus o eschatos de Deus, isto é o cumprimento das últimas coisas, devemos olhar para sua vida para sabermos como se dão todas essas coisas. Assim que Jesus foi batizado por João Batista viajou pelas cidades á convidar o povo ao arrependimento devido á chegada do reino dos céus. O chamado “ao arrependimento" é muito mais do que lamentar-se pelo pecado, é um chamado á mudança de mentalidade, que é o significado da palavra grega metanóia.

Jesus, o último, anuncia a chegada do reino. Em Jesus a escatologia é cumprida no reino. Mas o reino ainda não chegou por completo á terra. É o que propôs Oscar Cullmann: “Já e ainda não”. Jesus não apenas deixou um reino á ser implantado como também destinou boa parte de sua implantação ao encargo de seus seguidores (Lc 22:29). Somos cooperadores de Deus nesta tarefa e, graças a Deus, não estamos sozinhos (“e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” Mt 28:20).
“O reino de Deus é nada menos que o projeto de Deus para a história” - Wolfhart Pannenberg
O escritor N. T. Wright propõe que “o reino é a sobreposição dos céus sobre a terra”. É como as águas do mar que avançam sobre a areia da praia e vão a cada onda subindo um pouco mais. Não uma invasão bélica, mas uma sobreposição. Dia após dia. Á passos curtos, mas sempre “passos”.

E Deus confia que iremos levar este reino adiante. Paulo afirma que Deus “nos confiou a palavra de reconciliação” (1 Co 5:19). O livro de apocalipse diz que somos “reis e sacerdotes sobre a terra” (5:10). Sim, Deus conta confia em nós muito mais do que nós mesmos confiaríamos. Philip Yancey diz que Deus assumiu um enorme risco de contar conosco. Podemos fazer coro ao Yancey, dizendo que esta não é uma sábia escolha. Mas “a loucura de Deus é mais sábia do que os homens” (1 Co 1:25). Somos cooperadores, que não estão sozinhos, pois o Espírito habita em nós.


Se todos nós nos arrependermos, isto é, mudar a nossa mentalidade, conseguiremos ajudar Deus nesta empreitada maravilhosa. Mas o que esta exegese do reino tem haver  com “o fim”? Tudo.
"E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. E eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas." Ap 21:1-4
O céu desce para a terra. A realidade de Deus entra na nossa realidade sobrepondo o que há de errado em nosso mundo, fazendo com que este mundo seja a cada dia mais parecido com o céu. Talvez você ainda tenha dúvidas de que ao implantarmos os ideais do reino, o céu adentra na terra. Mas pense em Paulo ao fim de sua carreira, quando ele escreve á Timóteo descrevendo que recebeu consolo de Deus na forma de uma visita de Tito. Paulo considerava que a Igreja era a própria presença de Deus. Suas lágrimas e dores, ainda que não da forma plena a qual um dia esta terra terá, já podiam ser enxugadas e curadas.

Vejamos a seguinte profecia de Isaías:
"Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do SENHOR; endireitai no ermo vereda a nosso Deus. Todo o vale será exaltado, e todo o monte e todo o outeiro será abatido;  e o que é torcido se endireitará, e o que é áspero se aplainará." Is 40:3-4
Esta profecia anuncia esta vinda do céu á terra. Na cosmovisão judaica, os vales eram onde as pessoas viviam e lá a presença de Deus era “menor”. Os montes por sua vez eram o local de maior proximidade com os céus, onde Deus habita. Daí os grandes eventos acontecerem nos montes (Abraão e o sacrifício de Isaque no monte; Moisés recebe a Lei no monte; Elias e o embate com os profetas de Baal no monte; O sermão do monte; A transfiguração no monte; A crucificação de Cristo no monte; etc). Ora, o próprio Deus eleva a realidade do vale e desce a realidade do céu para “que tudo se endireite”. O mesmo pode ser visto nas palavras de Jesus no diálogo com a mulher do poço de Sicar:
"Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. [...] Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade." Jo 4:21, 23
Os céus entram em nossa realidade dia após dia. Em cada atitude que seja semelhante a do Mestre o reino é implantado e sentimos a presença do Pai mais próxima de nós. Talvez você não esteja vendo isso acontecer, mas não se preocupe, pois: "O reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou: Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está entre vós." Lc 17:20-21

O judeu compreendia que a Lei era o pacto de aliança que unia Deus e o povo. Nós cristãos nos unimos a Deus através do Filho que nos constrange á agir: “A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo.” Tg 1:27 (religião em latim: religare, significando "religação com o divino"). Atualizando o verso, o que nos une á Deus é agirmos em prol do reino que vem sobre nós a cada dia.
 “Ir para o céu implica estar com Deus no lugar onde ele está. Assim, o céu não é apenas uma realidade futura, mas presente.” N. T. Wright
Para fazer “novo céu, e uma nova terra” (Ap 21:1), Deus não precisa destruir a terra já existente, como supõe alguns cristãos. Deus que fez a terra e viu que tudo era bom, zela por este lugar. Apocalipse diz que virá “o tempo de [Deus] destruíres os que destroem a terra.” (11:18). Engraçado, que afirmamos “sermos novas criaturas”, e que “somos nascidos novamente” mas ninguém fez isso de forma literal. Ou alguém voltou ao ventre de sua mãe literalmente? Por que Deus haveria de destruir sua criação para fazer uma nova? Por que não redimi-la?
“Se céu significa vida em outro mundo, então o nome da coisa não é redenção, é substituição.” Ed René Kivitz

Ainda que os cristãos não se movam pelo reino, Jesus já deu o ponta-pé inicial. É algo que não pode ser detido mais. Nem mesmo a inércia dos cristãos pode deter o avanço do reino. Deus, que já usou mulas para falar, usa hoje o que Karl Rahner chama de “cristãos anônimos” para o plantio do reino.

Sou fascinado pela “parábola dos dois filhos”, onde um diz que não irá fazer o que seu pai manda, mas se arrepende – metanóia, e acaba obedecendo. Em seguida um segundo filho lhe diz que irá obedecer, mas não o faz. Jesus encerra a parábola dizendo:
Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram-lhe eles: O primeiro. Disse-lhes Jesus: Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus. Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não o crestes, mas os publicanos e as meretrizes o creram; vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para o crer.” Mateus 21:31-32
Que cada um de nós descubra qual o seu papel no reino do Pai e movimente-se para que ele seja implantado hoje, amanhã e para sempre. E em oração clamemos pelo retorno daquele que há de completar a boa obra que em todos e em tudo começou (Fp 1:6). Que nossa oração seja uníssona: "Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu". Que aqui seja, como o céu, em outras palavras.

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