Hannah Arendt foi uma importante filosofa alemã, de origem judia, discípula de Martin Heidegger. De suas contribuições para a humanidade destacam-se "As origens do totalitarismo", "A condição humana" e "Eichmann em Jerusalém". Este último livro contém cinco artigos que escreveu para o jornal The New Yorker sobre o julgamento de Adolf Eichmann, político e militar da "Schutzstaffel" (SS) responsável pela logística de extermínio de milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial.
Arendt fez várias observações sobre o processo de julgamento de Eichmann que lhe renderam pesadas críticas na época. Desde a prisão do tenente da SS na Argentina, que para Arendt mais se parecia com um sequestro, para ser julgado em Israel. Para ela o julgamento era apenas de faixada, uma vez que o resultado de todo aquele "circo" já estava pré determinado.
O julgamento de Eichmann tornou-se um espetáculo mundial, sendo televisionado para todo mundo. Para Ardent havia enorme interesse político alemão e israelense naquele julgamento. A Alemanha queria expurgar diante os olhos da humanidade seu crime contra a humanidade; Israel queria mostrar ao mundo que conseguiu ter sua vingança contra o causador do Holocausto.
Arendt percebeu no decorrer do julgamento, focou-se na pessoa de Eichmann toda a culpa pelo genocídio contra os judeus na Alemanha nazifascista. Parecia que ele era o único responsável por todo aquele horror. As estruturas que permitiram o Holocausto não vieram à tona. Eichmann não fora julgado por seus crimes individuais, mas pelo conjunto de crimes cometidos contra os judeus. Por fim, foi enforcado, queimado e suas cinzas lançadas fora do Estado de Israel.
E o que isso tem a ver com o Congresso Nacional?
Em um intervalo de menos de um mês o Congresso Nacional - Câmara e Senado Federal -, nas pessoas de seus deputados e senadores, votaram pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff. Tendo a análise de Hannah Arendt acerca do julgamento de Eichmann como pano de fundo, cabe-nos destacar algumas similaridades.
Por razões desprovidas de clareza, o presidente do Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou o processo de impedimento de Dilma. A votação na câmara baixa foi televisionada até mesmo pela maior rede de televisão do país. Tanto a votação dos deputados quanto a dos senadores, semanas mais tarde, foi marcada pela falta de argumentos que legitimassem o impedimento: ficou claro que o que estava acontecendo era uma grande manobra de interesses políticos. A base aliada de Dilma queria chegar ao poder; já a oposição, derrotada nas últimas quatro eleições, queria Dilma fora.
Se no julgamento de Eichmann concentrou-se no alemão toda a culpa pelo Holocausto, nas duas votações do Congresso Nacional concentrou-se em Dilma toda a culpa pelo momento econômico do país e por toda corrupção aqui praticada desde Cabral - questões que não estavam na pauta do processo de impedimento. O verdadeiro motivo pelo qual Dilma foi levada ao processo de impedimento, "violar leis orçamentárias", pouco ou sequer foi mencionado durante as justificativas de voto de cada parlamentar. Alguns disseram que iriam "acompanhar as orientações de seus partidos". Eichmann em seu julgamento insistiu que ele não era culpado pelos crimes cometidos, pois estava apenas cumprindo ordens. Qual a diferença? É a Burocracia do Mal (ARENDT) na política brasileira.
Por hora, Dilma está sequestrada de seu cargo por até seis meses. "Enforcada", talvez, mas ainda não queimaram seu corpo para depois lançar suas cinzas no esquecimento.
Arendt destacou que Eichmann era um homem comum, um burocrata a seguir com zelo seu dever sem prestar-se à reflexão crítica. Pessoas comuns são passíveis de cometer atrocidades quando aceitam ordens de outros e não colocam-se a pensar e julgar se devem ou não acatar tais ordens. Pessoas como os deputados e senadores, que talvez sejam boas pessoas no dia a dia e, sem pensar nas consequências de seus atos, fizeram o que lhes fora ordenado. "Uma ordem não pode ser maior que a humanidade em si", disse Arendt. De igual modo, os interesses de um determinado partido político, expresso em ordens aos seus afiliados, não pode ser maior que a nação em si.
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