Frases

28 de out. de 2013

O encontro de Davi, Absalão, El e Baal


Boa parte do Antigo Testamento dedica-se a relatar o conflito entre Deus, El - "Elohim" plural de "El", logo, "deuses" -, e Baal - "senhor". Suas representações estão nas narrativas da Criação onde Elohim decide criar a vida, na oferenda de Caim e Abel - Agricultura contra Pastoreio de animais -, em Elias e Jezabel, na eliminação de povos pagãos pós êxodo, etc. Contudo, um episódio do conflito nos chama a atenção devido sua maneira sutil de relatar a disputa entre os deuses. A história de Davi e seu filho Absalão.

Absalão assassinou seu irmão durante a celebração da festa da tosquia das ovelhas, o qual era anfitrião, na cidade de Baal-Hazor ("Côrte de Baal"), fugiu para a terra de sua mãe e lá ficou por três anos. Após seu retorno, Absalão traçou planos para substituir seu pai no trono de Israel e o pôs em prática. Aos poucos ganhou a aprovação do povo e mensageiros chegavam até o rei Davi para lhe anunciar que "o coração de cada um em Israel segue a Absalão". Davi sai com parte de sua casa real em uma viagem, porém deixou dez de suas esposas concubinas em casa. Instruído por Aitofel, Absalão vai até a casa, leva as concubinas de seu pai para o terraço da casa e debaixo de uma tenda faz sexo com as mulheres de seu pai para que toda a cidade veja. Mais adiante, Davi é obrigado a fugir para Maanaim e agrupando forças, volta para combater e vencer Absalão.

E onde entra Baal nesta história?

Baal é uma divindade cananeia que em determinado momento, junto a seus cúmplices, ataca El de surpresa em seu palácio no monte Sapân e conseguem amarrá-lo e feri-lo. Segundo Mircea Eliade, El teria sido castrado por Baal e, assim, nunca mais poderia ser "soberano". A genitália masculina tinha significado importantíssimo nas relações sociais e religiosas do Oriente antigo. No Antigo Testamento, a marca da circuncisão no órgão masculino designa a nacionalidade e comprometimento com Deus. Baal não somente castra El, como também rouba-lhe a mulher e seu trono sobre o monte Sapân. El é obrigado a refugiar-se nos confins do mundo. Yam vai em socorro á El e vence Baal expulsando-o do monte Sapân¹.

No relato do conflito familiar na casa de Davi, podemos ouvir ecos do um conflito entre dois deuses do panteão cananeu, cujo nome do deus El é incorporado na religião dos israelitas - Elohim. A revolta de Absalão trouxe á memória do povo de Jerusalém, que nunca foi monoteísta, o conflito dos deuses. O ato de subir no terraço faz paralelo ao subir ao monte, que por sua vez indica o "lugar mais próximo do céus". Absalão, assim como Baal, toma mulheres de seu pai. Embora não corte a genitália de seu pai, rouba-lhe a soberania ao usurpar-lhe o trono. A afronta de Absalão é contra o reino, contra seu pai e contra o próprio Deus. O povo vislumbra a epopeia de Absalão tendo como pano de fundo a batalha entre Baal e El.

¹ - ELIADE, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas I": da idade da pedra aos mistérios de Elêusis. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 153-155.
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