Frases

24 de jun. de 2013

Diário de um desigrejado: Lugar de desigrejado é nas ruas


Levei minhas orações às ruas

No último sábado fui na manifestação em Belo Horizonte. Meu anseio por um país melhor pode ser externado num cartaz que fiz, no meu caminhar e nas orações que fiz durante o trajeto. Havia muitos grupos pedindo por mudanças em diversas áreas, como na saúde, na educação, na política, na distribuição de renda, etc. Representei o grupo dos que esperam não por melhorias momentâneas, mas pela constância que há na vinda do reino de Deus, que é reino de Paz e Justiça e jamais uma teocracia.

Assim que cheguei em casa, minha vontade era escrever um enorme relato do que presenciei na rua, passando pela chegada á Praça Sete e percorrendo toda a avenida Antônio Carlos, descrevendo as muitas crianças que acompanhavam seus pais e os mais velhos que iam alegres por poder acompanhar seus netos num momento importante, e ainda o Corpo de Bombeiros distribuindo água aos manifestantes. Mas cheguei ferido demais pelo que vi, e além disso poderia deixar minhas emoções falarem por mim. Calei-me para pecar menos.

Passei boa parte do trajeto sem acompanhar os coros e as palavras de ordem que eram proferidas. Preferi observar e sentir o ambiente. Aproveitei para orar durante o percurso. Pedi pela paz, pela não violência dos manifestantes, pedi por mudança de mentalidade do povo, pelo fim do "jeitinho brasileiro" que ora serve como motivação para o bem, ora para o mal. Orei para que meus irmãos evangélicos e católicos se manifestassem em seus púlpitos e nas ruas. Orei para que outro Martin Luther King Jr. surgisse em nossos dias. Orei.

Dizem que éramos 60, 70, 90, 125 mil pessoas. Era muita gente. Gente que ao chegar a um ponto da cidade foi impedida de continuar sua caminhada. Gente que, em sua maioria, nada vandalizou, mas foi vandalizada. Gente que com suas crianças fugiram para os bairros á margem da avenida. Gente que estava longe da área de conflito e foi dispersa por bombas e pela cavalaria. Eu pacifista por opção, revoltado, conclui que não é difícil cogitar uma revolta armada ou agir de maneira descabida num momento desses. Ainda bem que o pensamento ficou para trás.

Vandalismo e o noticiário

Não devemos ser inocentes ao ponto de acreditar que a maioria das pessoas que estão nos manifestos do Brasil sabem o motivo de estar nas ruas. Em BH tinha venda de água, cerveja e refrigerante no trajeto, e somado ao pessoal que puxava o povo com bateria e apito, não é difícil de confundir a manifestação com uma micareta. Do mesmo modo, pessoas que querem mudanças, "custe o que custar", estavam entre nós. A verdade é que alguns foram para enfrentar a polícia e alguns outros foram enfurecidos por não poder circular em uma rua que ajudaram a construir com seus impostos e, assim, levados pela emoção, destruíram lojas e jogaram pedras contra a polícia.

A caminhada começou com a paz presente e terminou com a ausência dela. A maior parte da manifestação foi pacífica, mas os meios de comunicação em geral preferem dar ênfase não aos cartazes ou ao objeto das manifestações: os políticos. A mídia atrai seu público pelo bizarro, pelo que choca a população. Infelizmente as pessoas mudariam de canal caso soubessem que no outro canal está mostrando gente sangrando "ao vivo". Não culpo a mídia. Ela vende o que as pessoas querem. E elas querem o pior.

Enquanto o vandalismo fizer parte das manifestações, estaremos perdendo a oportunidade de que a mídia seja obrigada a mostrar a razão da manifestação, isto é, o caos da saúde e da educação, o imoralismo de ter políticos condenados pelo Supremo Tribunal Federal atuando livremente em cargos públicos, os gastos com estádios em detrimento a outras áreas de maior prioridade, a reforma política, tributária etc. Infelizmente estamos perdendo nosso espaço para uma minoria que saiu de casa para ser penetra na verdadeira festa do povo. Por hora, eu não quero acreditar que tenham "infiltrados" no meio dos cidadãos de bem. Por hora...

A participação cristã

Eles estavam lá também. Eu acho. Não como nas grandes "Marchas para Jesus", mas estavam. Passou por mim um rapaz segurando a Bíblia como se fosse um cartaz. Ouvi um grupo de meninas repetirem algumas vezes "misericórdia". Tenho o péssimo hábito de ligar as pessoas que repetem muito essa palavra ao movimento evangélico. Talvez seja por ter aprendido que o nosso "nossa senhora", é o "misericórdia".

Fiquei muito triste por não visto um grande grupo com bandeiras e mensagens cristãs contra a corrupção ("contra a corrupção", sem proselitismo por favor). Talvez seja um erro meu acreditar que um povo que em sua maioria foi ensinado a olhar para seus próprios problemas e achar que o problema dos outros é castigo/correção de Deus, estaria disposto dar o grito de Amós: "Eu quero justiça, um mar de justiça. Eu quero integridade, rios de integridade".

Na história da América Latina, muitos padres foram instrumentos de Deus para libertar o povo sul-americano contra a opressão dos colonizadores ultramarinos. Eles mobilizaram o povo a se levantar em nome de Deus contra a injustiça. E eles se levantaram. Precisamos que nossos líderes espirituais possam dar um passo adiante daqueles padres "rebeldes". Um levante pacífico, desarmado, em prol do bem comum. Afinal de contas, como disse o profeta boiadeiro e colhedor de sicômoros, "O leão rugiu — quem não está com medo? O Eterno falou — qual profeta consegue ficar quieto?" (Am 3:8).

O Gigante ainda dorme

Se antecipou quem disse que "o gigante acordou". Ele no máximo despertou para beber água, fazer um "xixizinho" e já caminha de volta para a cama. O povo que está nas ruas, faz volume a cada dia. Mas ainda não tem uma ideologia comum que oriente e organize o movimento. Como dizia um cartaz que li, "são tantos os pedidos que apenas um cartaz não dá para escrever tudo". Os religiosos presentes eram são contra o grupo dos que pediam pela liberação da maconha e os que são contra a cura gay. Os representantes da ala LGBT são contra os religiosos. Os representantes "das vadias" são contra ideias moralizantes de seus corpos. Alguns estava contra a PEC 37, mas a maioria nem sabe do que se trata. Os que pedem a saída da presidente e seu vice, não sabem que quem assume é o presidente do Senado que é  rejeitado de forma unânime. Sem um norteador qualquer direção serve. Até mesmo para trás...

Tive meu dia em Babel e foi deprimente. O "Gigante" já volta para a cama. Não hoje. Não enquanto durar o evento da Fifa. Mas ele já caminha para o leito para ficar, quem sabe, "deitado eternamente..." Deus queira que não.

É preciso que a população engrosse a fileira pacifista do protesto. Gente que possa liderar os que ainda não sabem o porquê de estarem nas ruas. Precisamos de reuniões norteadoras para que sejam delimitados os principais pedidos, aqueles que são mais urgentes. É difícil, eu sei. Ficamos tanto tempo suportando a dor do pequeno caroço que apareceu como uma mancha na pele, que agora queremos remover todo um câncer da nação. É preciso ir um passo de cada vez ou iremos tropeçar em nossas pernas que quase definharam no "leito esplêndido".

Esperança que fica

A esperança sempre está presente. É ela quem me diz que o amanhã será melhor do que o presente. Não que teremos maior quantidade ou maior volume de pessoas nos próximos protestos. A esperança me diz que serviremos de exemplo para a próxima geração. Espero que tomem por exemplo os pacifistas e não os exaltados. É o que eu acredito: os manifestantes pacíficos mostraram que podemos sim ir às ruas.

Exemplo disso é o cartaz de uma garotinha, que deveria ter seis ou sete anos, que dizia mais ou menos isso: "A mamãe me ensinou que devo cuidar bem do meu país". Ler aquilo foi como ler um tipo de "perfeito louvor".
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