Havia um faraó que era conhecido por adorar ao deus-Águia, devido a crença de que este deus poderia lhe conceder vida renovável com o passar dos anos. O império deste faraó se estendia por uma longa região de montes altos e de esplendoroso horizonte, ao derredor da sede de seu governo. Como todo imperador o faraó Cabeça-de-Águia, como era conhecido, exercia seu poder concedido pelo deus-Águia para submeter os povos a servidão por meio do medo e vaidade. Muitos eram os escravos aprisionados ao longo dos anos de seu domínio sobre aquela região. Eles nada faziam para se libertar, pois temiam aquele temível faraó e seu estranho deus.
Conta-se que alguns dos povos escravizados se reuniram e bolaram um plano para fugir enquanto o faraó dormia. E assim foi: Os aprisionados se agruparam por tribo e fugiram em várias direções, evitando que quando o faraó Cabeça-de-Águia juntasse seu poderoso exército e fosse atrás de todos os fugitivos reunidos. Não se sabe o destino de todos os fugidos. Mas de uma tribo em particular, ouve-se histórias que foram contadas ao pé do ouvido, a Tribo dos Pintos.
A Tribo dos Pintos era uma tribo pequena e frágil. Este não é o verdadeiro nome da tribo, e isso também não sabemos. O nome dado á tribo surgiu ainda nos tempos de cativeiro quando as outras tribos mais fortes e maiores zombavam deles por serem frágeis e seguidores do Deus-Galinha. Esta divindade é um tanto curiosa. Segundo a antiga profecia, ela pretende juntar todos os Pintos debaixo de suas longas asas e lhes oferecer abrigo seguro.
Dizem que a Tribo dos Pintos não conseguiu fugir para muito longe da sede do império do faraó Cabeça-de-Águia. Mas, mesmo não tão longe, eles contavam com sua fama de frágeis, o que fez com que o faraó não fosse atrás deles com seu exército. Antes, enviava de tempos em tempos algum mensageiro ou general para lhes dizer que poderiam ser invadidos pelo seguidor do deus-Águia a qualquer momento. Contudo não cessava de zombar da pequena tribo que adorava ao Deus-Galinha, em seus irônicos discursos faraônicos dizendo que "os Pintos se mudaram para o Galinheiro".
Isso afetou diretamente a vida dos Pintos. Eles eram poucos para se defenderem e pareciam não acreditar que o Deus-Galinha poderia lhes ajudar. Alguns arrazoavam entre si, "como pode um deus que não voa e vive encurvado, nos ajudar?". Para estes, de pouca fé, era mais próprio que o deus-Águia os defendesse, por ser aquele que voa alto e de ser um caçador de outros animais, além de que, segundo a lenda, se renovava a juventude com o passar dos anos. Esse sim parecia ser um deus forte. Mas também existiam no meio dos Pintos aqueles que acreditam que o Deus-Galinha está sempre no chão, embora tivesse asas, para poder estar perto dos frágeis Pintos e que está sempre encurvado para melhor ouvir o clamor de seus seguidores. O céu não é interessante para o Deus-Galinha. O céu é sem graça para ele, sem seus amados Pintos.
O Deus-Galinha não parece ser o deus mais forte, ou sequer possui características de um campeão de batalha. Contudo, parece ser um deus interessado em seus seguidores, os frágeis Pintos. O deus-Águia passa a maior parte do tempo longe, no alto á voar, e seus adoradores precisam lhe fazer oferendas para que ele desça para comer de suas mãos. O Deus-Galinha por sua vez, sempre que encontra algum precioso alimento no chão, festeja com seus Pintos que sempre estão ao redor de suas patas. E basta cair o primeiro pingo d'água, e todos os seus Pintos encontram abrigo debaixo de suas asas.
Dizem que os Pintos são uma piada na sede do faraó Cabeça-de-Águia. Mas os Pintos deram um importante passo rumo a liberdade completa do domínio opressor do faraó. É uma daquelas vitórias que se disfarçam de derrota esperando a hora certa para festejar a liberdade. E a liberdade já brilha nos olhos dos pequenos Pintos. Em breve, muito em breve, eles verão a vitória do Deus-Galinha sobre o deus-Águia e, então, o simplório Galinheiro será tão nobre quanto o mais alto céu.