Frases

24 de jan. de 2012

A maldição da "Bênção e Maldição"


"Eis que hoje eu ponho diante de vós a bênção e a maldição"
Dt 11:26

Em Belo Horizonte há alguns anos atrás um livreto intitulado "Bênção e Maldição" foi muito lido entre os evangélicos e rapidamente virou obra traduzida em inglês e espanhol. Em suma, o livreto se trata da exploração de passagens veterotestamentárias que abordam ser abençoado e ser amaldiçoado,  em busca de confirmar a doutrina da confissão positiva, da retribuição, e maldição hereditária.

O povo hebreu ao sair do Egito, foi acompanhado de outros povos que juntaram-se a rebelião hebreia. Percebemos isso devido a legislatura acerca dos não-hebreus - "Por isso amareis o estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito". Aquela aglomeração de pessoas tinha muitos deuses diferentes e por isso Moisés apresenta leis para que todos aqueles que quisessem seguir junto ao líder escolhido por YHWH, o Senhor. Neste contexto nasce a ideologia da "bênção e maldição", como escolha do povo que havia saído do Egito, e não como algo arbitrário.

Em nossos dias, tais textos são utilizados para embasar a confissão positiva, teologia da retribuição e a maldição hereditária. No livreto supracitado, segundo o autor, o simples fato de alguém se chamar "Maria das Dores", a pessoa seria amaldiçoada todas ás vezes que seu nome é pronunciado. Embora a Bíblia demonstre que o nome das pessoas têm um significado, os nomes jamais projetam o futuro da criança (salvo Emanuel), e sim o contexto de seu nascimento. A confissão positiva é uma doutrina anti-bíblica. Mas tristemente podemos observar líderes fazendo suas ovelhas dizerem em coro: "Sou mais que vencedor!"; "Meu milagre já chegou!"; "Eu vou conseguir!"etc. Há um abismo entre ser uma pessoa que confia em Deus e alguém dado a vencer no grito do muito falar.

A teologia da retribuição por sua vez foi colocada á prova pelos judeus dos séculos VIII, VII e VI a.C., quando justos e injustos foram levados cativos. As orações de Amós em prol da pequenês de Jacó não foram suficientes para que o Senhor evitasse que os fracos e oprimidos da terra sofressem durante as invasões e exílios. Jeremias foi proibido de orar em favor do povo. O livro de Provérbios fomentou esta ideologia do "faça o bem e nada de mal te acontecerá". Muitos teólogos tem esse livro como a fonte da teologia da retribuição. Não que o livro seja ruim, mas quando mal interpretado causa dano á comunidade. Durante o exílio babilônico, coube aos exegetas relembrarem de uma antiga narrativa oral, há muito não escrita: a história de Jó. Contendo prólogo e epílogo, o livro de Jó nos oferece uma narrativa bem amarrada contando a história de um homem íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se do mal (Jó 1:1), que não foi poupado das tragédias da vida. Os judeus reeditaram sua história para que as pessoas não pensassem que a vida tivesse uma fórmula matemática. A vida é vida vivida.

A maldição hereditária foi abordada nos dias de Jesus também. Quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? - perguntou um de seus discípulos. E Jesus serenamente responde que o mal que estava sobre ele, a cegueira, não era resultado de pecado, antes uma oportunidade para que a glória de Deus se manifestasse.
"...sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos, até à terceira e quarta geração daqueles que me odeiam." Dt 5:9
Este é um dos versos mais usados pelos defensores da maldição hereditária. No entanto, vemos com o decorrer do livro que seu redator escreve que
"os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá pelo seu pecado." Dt 24:16
Os profetas Ezequiel e Jeremias reforçam dizendo que
"A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai, nem o pai levará a iniqüidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele." Ez 18:20
"Naqueles dias nunca mais dirão: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram. Mas cada um morrerá pela sua iniqüidade; de todo o homem que comer as uvas verdes os dentes se embotarão." Jr 31:29-30
Não existe maldição hereditária. Nem todo filho de alcoólatra é um alcoólatra. Nem todo filho de promíscuo é um promíscuo. Nem todo violento possui filhos violentos. Como nem todo pai bom tem filhos bons. Há casos? Sim, é claro. Os filhos são reflexo dos pais. Em muitos casos o que acontece é  que os filhos são ensinados com o exemplo dos pais e, assim, estão repetindo seus erros. A psicologia usa o termo resiliência para explicar o fato de que um indivíduo possui forças inerentes para lhe dar com situações adversas e superá-las, sem necessariamente repeti-las. Nem todo mundo que mora em comunidades carentes são traficantes. Como nem todo abastado não é um ladrão.

Balaão em seu fatídico episódio com a mula falante, tentou explicar á Balaque: "Como amaldiçoarei o que Deus não amaldiçoa?" Nm 23:8. O conceito de "maldição" é muito antigo. Ele implica no ato da divindade castigar seus seguidores por cometerem falhas ou por motivo algum. Mas YHWH, o Senhor, se distingue dos outros deuses como "o Deus que não amaldiçoa".
"Porque eu bem sei os pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o fim que esperais." Jr 29:11
Conclusão: creio que tornou-se um viral a mania de falar sobre "bênção e maldição", pois é uma arma nas mãos de pessoas despreparadas para o pastoreio controlar o povo que "morre [espiritualmente] por falta de conhecimento". É uma verdadeira maldição esta tal de "bênção e maldição", quando pregada sem contextualização histórica e com hermenêutica fingida.

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