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17 de nov. de 2015

Protestantes históricos e pentecostais: como se relacionar de maneira saudável?


Existe entre uma parcela de cristãos, certa confusão acerca dos dons conferidos pelo Espírito Santo de Deus à Igreja. Muitas vezes é percebido que esta confusão se dá principalmente nas igrejas pentecostais. No contexto brasileiro o cristianismo protestante se diversificou, ramificando-se em segmentos cada vez menores, e mais distantes de sua raiz histórica em busca de acompanhar os movimentos carismáticos que emergiam nos Estados Unidos. Muitos destes novos segmentos aderiram ao pentecostalismo. Mas qual pentecostalismo?

Sim, há mais de um. O pentecostalismo pode, e deve, ser compreendido como um movimento heterogêneo, como suas muitas percepções e divergências internas. Segundo o sociólogo Paul Freston, "O pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido como a história de três ondas de implantação de igrejas. A primeira onda na década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembleia de Deus (1911). A segunda onda pentecostal ocorreu nos anos 50 e início de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, a relação com a sociedade se dinamiza e três grandes grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: a Quadrangular (1951), Brasil Para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). O contexto dessa pulverização é paulista. A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais representações são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) (...) O contexto é fundamentalmente carioca” [1].

Cada uma dessas ondas, como indicado por Freston, possui suas características. A primeira onda, o Pentecostalismo Clássico, é marcada por ter sofrido discriminação dos protestantes históricos e perseguição da Igreja Católica desde a chegada deste pentecostalismo no Brasil. Isso gerou entre eles um ferrenho anticatolicismo. A reflexão bíblica das igrejas da primeira onda resulta em uma ênfase no dom de línguas como evidência do batismo no Espírito Santo (também chamado de "segunda bênção"), na crença na volta iminente de Cristo, na crença na salvação paradisíaca e num ascetismo de rejeição do mundo exterior. De modo geral, são radicalmente sectários.

A segunda onda, o Deuteropentecostalismo, chegou ao Brasil através da Foursquare International Gospel Church, trazendo ao país o evangelismo de massa. Sua teologia enfatiza a centralidade da mensagem na cura divina e cresceu sobremaneira por meio de campanhas em prol de conquistas de cura, finanças, etc. Difundiram-se pelo rádio, por evangelismo itinerante em tendas de lona, de concentrações em praças públicas, estádio de futebol, teatros, etc.

A terceira onda, o Neopentecostalismo, é marcada pela participação ativa na política partidária, com uso intenso dos meios de comunicação em massa para propagação de suas ideias, bem como a manutenção de estrutura empresarial para administração dos templos. Além disso, estas igrejas incorporam o uso de técnicas de marketing para a indução a doações (teologia da prosperidade). A reflexão bíblica dos neopentecostais faz com que sua mensagem gire em torno da função terapêutica baseada na cura divina, nos rituais de exorcismo (“guerra santa”), nos cultos propensos á catarse individual e coletiva, de modo a estimular a expressividade emocional em ritos de cura e exorcismo. O neopentecostalismo também é marcado pelo antiecumenismo e forte oposição aos cultos afro-brasileiros.

Em sua maioria as igrejas que surgiram entre a segunda e terceira onda, nasceram a partir de conturbadas cisões. Segundo o IBGE a cada dia doze novas denominações abrem suas portas. Nas comunidades deste bloco que vai da segunda à terceira onda, há grande apelo para uma interpretação literalista da Bíblia e o estudo da Teologia é desincentivado por seus líderes. Exemplo disso é o livro "A libertação da Teologia", de autoria do líder da IURD, Edir Macedo.

Contudo, vale destacar que é um engano dizer que as igrejas carismáticas são ateológicas, de modo a generalizar os pentecostais. Há, principalmente nas igrejas da primeira onda, certo incentivo ao estudo teológico. Ainda que este estudo seja estritamente confessional àquela comunidade de fé.

Fato é que as igrejas pentecostais surgiram em comunidades carentes, para atender as demandas religiosas de pessoas muitas vezes não alcançadas pelas igrejas históricas. Estas últimas que, tradicionalmente, foram estabelecidas, salvo raras exceções, em bairros mais centrais ou mais ricos. O apelo proselitista pentecostal, seu carisma receptivo, sua proposta religiosa e terapêutica, fez com que se tornasse o maior grupo religioso dentre os protestantes, superando em número de membros os protestantes históricos. Até mesmo os cristãos católicos sofreram perda de membros para as igrejas pentecostais. Algumas igrejas se tornaram carismáticas, em busca de se manterem vivas.

O relacionamento protestantes históricos/pentecostais sempre foi conturbado. Os protestantes históricos sempre olharam desconfiados para a interpretação bíblica feita pelos protestantes pentecostais. Por sua vez, os pentecostais desconfiavam da seriedade dos protestantes históricos em relação ao entendimento do Espírito Santo e sua manifestação na Igreja. As principais divergências de pensamento entre os dois grupos se dão em relação à teologia aplicada em suas igrejas, tendo a interpretação em relação aos dons espirituais como cerne. Mas como interpretar os dons espirituais? Sola Scriptura.

Sendo todos os protestantes, tanto históricos quanto pentecostais, filhos da Reforma Protestante do século XVI, o conceito da primazia das Escrituras deve ser mantido para interpretação dos dons espirituais. Para Terence Paige, "as comunidades cristãs primitivas tinham o Espírito em seu meio, na percepção da imanência de Deus durante o culto, na realização de milagres e na inspiração da profecia, na experiência de coragem e sabedoria para anunciar o evangelho, mesmo em circunstâncias difíceis, e nos sentimentos de alegria. Para os cristãos primitivos, essas experiências eram provas de que o Espírito estava presente e atuante" [2]. Para não delongarmos muito sobre o assunto, os dons espirituais devem ser compreendidos como a capacitação do Espírito Santo à Igreja no cumprimento da anunciação do Evangelho, em tarefas onde o homem se encontra incapaz de realizá-la por si só; e também como a forma pela qual Deus age na regeneração do Ser Humano.

Como, então, a igreja histórica pode se relacionar, de forma saudável, com os pentecostais?

Não é tarefa fácil. Mas também não é impossível. Para todo relacionamento entre pessoas de pensamentos distintos, deve-se prevalecer em primeiro lugar o respeito pela diferença. Deve-se, ainda, celebrar a diversidade, pois estamos todos fazendo a mesma coisa: Estamos interpretando as Escrituras, cada um de nós com sua especificidade. Um exemplo de tentativa de convivência sadia é visto em igrejas como a Igreja Presbiteriana Unida (IPU). Essa igreja tem em sua carta fundante (o Manifesto de Atibaia) o incentivo ao "diálogo e comunhão uns com os outros" [3], e orientação para o ecumenismo [4]. A dificuldade neste processo se dá ou no momento em que o diálogo se torna proselitista e o ecumenismo é estritamente utilitarista para esta finalidade, ou quando o respeito e comunhão se acontecem apenas quando as igrejas estão separadas, histórica de um lado e pentecostais de outro, cada uma em seu canto. "Eu cá, eles lá". Isso não é relacionamento saudável. Nem mesmo é relacionamento.

Por fim, as barreiras para esta convivência sadia estão mais ligadas às especificidades de cada grupo. Necessário é descobrir quais são as dificuldades individuais das igrejas para que o espaço de diálogo seja experimentado e respeitado. Isso com a consciência de que, no processo de aproximação entre cristãos históricos e pentecostais, a verdade de um não anula a verdade do outro. E convenhamos: Saber dialogar nestes dias, em que as paixões - principalmente as políticas - estão tão afloradas e efervescentes, é uma arte!

1 - MARIANO, Ricardo. “Neopentecostais”: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
2 - HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P.; REID, Daniel G. (orgs.). “Dicionário de Paulo e suas cartas”. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
3 - Manifesto de Atibaia, 10 de setembro de 1978.
4 - Princípios de Fé e Ordem da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. Artigo 3º, Parágrafo "E".

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