Minha esposa me pegou com o olhar distante e um tanto calado. Mas eu sempre respondi que estava tudo bem. Nesta semana que seguiu procurei fazer o que há muito não fazia, como escrever para o blog que é um tipo de filho para mim. E encontrei prazer nisso. No blog, pensamentos e inquietações estão sempre indo e vindo e quando parece que vão descansar, começa tudo novamente. E recomeçar é tudo que preciso.
Chegado o fim de semana, entrei pela primeira vez em uma igreja após me desligar da que anteriormente eu pertencia. Assim, foi no casamento de um amigo, que regressei regressei a uma igreja num sábado. Foi tudo muito bom e me felicitei por meu amigo. A leitura da Bíblia foi muito interessante e por alguns instantes pensei que poderia ser bom visitar mais vezes aquele lugar...
Embora alguém que tenha se identificado com minha história possa concluir, nunca pensei que um dia iria passar pela situação de estar desligado de uma comunidade. Desde os tempos da faculdade de Teologia, estar vinculado a uma comunidade é um princípio aprendido. A professora Regina Sanches insistia: "A Teologia é serva da Igreja. Se ela não serve a Igreja, ela não serve para nada". Nos anos anteriores eu mesmo aconselhei algumas pessoas que estavam desvinculadas de comunidades. E agora me encontro nesta situação.
Não vou mentir. Embora tenha considerado por diversas vezes a hipótese de ser um desigrejado, nunca me permiti fazer planos para que isso acontecesse. E ainda hoje penso assim: não "sou" um desigrejado; "estou" desigrejado. Isso não é uma realidade que pretendo perpetuar por muito tempo. Por "desigrejado", entendo que uma pessoa que mantém sua fé no Cristo, mas por algum motivo qualquer decidiu não pertencer a uma comunidade de fé, logo, é um desigrejado.
No domingo que seguiu, visitei outra comunidade que há muito gostaria de ter visitado. Diferentemente da experiência do sábado, desta vez foi um pouco estranho. As canções selecionadas pelo grupo eram bem diferentes, mas nem por isso ruins. Minha esposa e eu demoramos um pouco para entrar em sintonia com o espírito da comunidade. A leitura do texto foi também interessante. Contudo o lugar me lembra muito meu passado recente, em alguns aspectos. Mas pode ser que eu volte lá.
Neste ínterim, um dos meus irmãos da antiga comunidade me chamou em particular para perguntar a razão de nós termos saído daquela igreja. A única coisa que me veio a mente foi a imagem de uma árvore frondosa. Disse a meu amigo que as comunidades de fé são como uma árvore cheia de folhas. E nós somos as folhas que preenchem os galhos da árvore. Cada folha com sua importância e separada por galhos, as atividades exercidas, e com seu tempo. E que de tempo em tempo, as folhas precisam cair da árvore para dar lugar a novas folhas. Mas que cada uma precisaria cair a seu tempo e que se arrancada fora de tempo poderia matar a árvore. Ele disse ter compreendido e me pareceu ficar reconfortado. Agradeci por isso, pois não precisei dizer que algumas árvores precisam morrer...
Na semana seguinte fomos visitados por outros irmãos que um dia pertenceram a comunidade da qual fiz parte por dezesseis anos. A conversa estava boa e os olhos deles pareciam querer entrar no assunto de nossa saída da igreja, mas me adiantei e simplifiquei dizendo que eu precisava de um tempo para descansar. Em seguida me perguntaram por quanto tempo eu iria ficar longe da atividade pastoral e respondi que seria por mais ou menos um ano. Eles se espantaram e não concordaram com minha posição. "Você não pode ficar tanto tempo parado, cara". Pensei, "por que não?". Mas me calei.
Embora este não seja o caso de meus amigos, sei que em muitas comunidades as pessoas são medidas pelo que fazem e não pelo que são. Por muitas vezes recebi privilégios que não pedi pelo simples fato de exercer uma função que as pessoas enxergavam ser "mais elevada". Uma grande bobagem. Mais do que nunca, quero me "igrejar" novamente em uma comunidade e ter meu período de descanso sem ouvir lisonjas desnecessárias. No final de semana precisei trabalhar no domingo e não voltamos em lugar algum. Espero conseguir no outro fim de semana. Por hora esta é a canção que ecoa o sentimento da minh'alma:
"Tenho andado distraído / Impaciente e indeciso / E ainda estou confuso, / Só que agora é diferente / Sou tão tranquilo e tão contente.
Quantas chances desperdicei / Quando o que eu mais queria / Era provar pra todo o mundo / Que eu não precisava / Provar nada pra ninguém.
Me fiz em mil pedaços / Pra você juntar / E queria sempre achar / Explicação pro que eu sentia. / Como um anjo caído / Fiz questão de esquecer / Que mentir pra si mesmo / É sempre a pior mentira / Mas não sou mais / Tão criança a ponto de saber tudo.
Já não me preocupo se eu não sei por que. / Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê / E eu sei que você sabe, quase sem querer / Que eu vejo o mesmo que você." - Quase Sem Querer, Legião Urbana.