Um cristão que faz uso de sua Bíblia não precisa ir a todas as igrejas do nosso país para saber que algo está destoante do conteúdo do livro de Deus. Em cada comunidade de fé há traços de má orientação bíblica acerca da vida de contemplação de Deus, seja na igreja ou no dia a dia.
Muitos pensadores cristãos apontam as possíveis origens do erro. São pessoas boas que sofrem por verem irmãos em Cristo cometerem atrocidades contra pessoas e contra o próprio Deus. Se feita com amor e com intenção de adorar a Deus, creio que toda tentativa, ainda que venha a falhar, é válida e deve ser respeitada. Como cristão, teólogo e apaixonado pelo Reino de Cristo decidi dar a minha contribuição também.
Observando a Igreja Brasileira notei que há um problema que denomino Síndrome de Marta. Entendo essa síndrome como algo que está minando a força norteadora da Igreja: a contemplação do Cristo através de Sua Palavra e ausência de Teologia. Para melhor entendermos, façamos a leitura da passagem bíblica que narra a história de Marta:
"E aconteceu que, indo eles de caminho, entrou Jesus numa aldeia. E certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa. E tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Marta, porém andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude. E respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária. E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada." - Lucas 10:38-42
Marta viu que Jesus vinha trilhando um caminho juntamente com seus discípulos e o convidou para ir a sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria e um irmão chamado Lázaro (João 11.1). Marta, assim como muitos cristãos de nossos dias recebem ao Senhor Jesus em seus corações. Levam Jesus para suas casas, assumindo o compromisso de ser nova criatura, contam para todos os familiares que agora assumiram um compromisso público com Cristo, etc.
Como todo novo convertido começa a agir radicalmente querendo "recuperar o tempo perdido", ganhar o mundo para Cristo, acabar com a pobreza do mundo, trabalhar por um mundo mais digno, etc., assim como Marta. Os pastores, que muitas vezes estão calejados com ovelhas gordas que mais se parecem com bodes, ficam empolgados com o vigor do crente recém saído do ventre e arrumam-lhes várias funções na igreja. Em pouco tempo estão aconselhando outras pessoas. Alguns meses depois já estão liderando grupos. Em menos de um ano de compromisso com Cristo são consagrados a pastores e saem a propagar o que aprenderam. Nasce assim o discipulado intensivo, semelhante aos cursos pré-vestibulares.
Mas existe Maria também nessa história. Essa por sua vez foi apresentada a Jesus por intermédio de alguma Marta. Diferente da esforçada e sempre ocupada irmã, Maria escolhe conhecer o Cristo. Ela passa a ler a Bíblia incessantemente e a cada versículo que compreende a vontade de Deus uma lágrima brota de seus olhos. Essas lágrimas tornam-se uma torrente que lava os pés de Jesus e seus cabelos tornam-se uma aconchegante toalha (Lucas 7:38). Passa a levantar mais cedo aos domingos para ir a Escola Dominical. Ela busca relacionar-se com Jesus através de jejuns e orações apaixonadas pelo seu Senhor. Rompe então a barreira do comodismo natural aos demais irmãos e ingressa em um seminário teológico. Contemplar nunca é demais. É constantemente criticada pelos irmãos por não ter "obras para mostrar". Chegam até a lhe dizer que irá se apresentar a Deus "de mãos vazias". Firmemente ela resiste ao pragmatismo religioso.
Marta e Maria são como duas opções que fazemos ao entrarmos no Corpo de Cristo. Muitos irmãos em Cristo optaram por executar tarefas a se tornar discípulos de Jesus. No discipulado existem etapas de aprendizado e contemplação que não podem ser queimadas devido a carência da Igreja de nossos dias em relação a bons obreiros. As Marias de nossos dias não são bem vistas pela Igreja. Os pastores preferem as Martas que dão resultados mais rápidos e que podem ser vistos por todos. Isso é relativo a uma outra síndrome, a de Tomé*.
A resposta de Cristo foi enfática diante da indagação de Marta acerca da passividade de Maria: "você está gastando seu tempo preocupada com os Meus problemas. Venha aqui. Somente esteja aqui. Isso sim é o que você precisa agora". Jesus com sua resposta estava afirmando que não devemos ser trabalhadores e sim pessoas que assentam-se aos Seus pés para ouvir a Sua Palavra. Devemos conhecer Deus e não sermos marqueteiros de Deus. Não antes de conhecê-lO.
Pessoas despreparadas biblicamente têm subido aos púlpitos e pregado uma Palavra que não conhecem. Têm anunciado um Deus que lhes é totalmente estranho. Anunciado um Evangelho diferente do que está na Bíblia. Dizem que entramos na Era do Joelho, do Manto e do Rolo que desce para alguns e não para todos. Já estou farto de ouvir pregadores dizerem algo que não está na Bíblia e afirmarem que o que estão dizendo Deus revelou para eles no "momento do joelho". Penso que se Deus tivesse para nós algo grandioso e que todos deveríamos saber, estaria exclusivamente na Bíblia e não na revelação isolada de alguma "Marta".
Talvez você concorde comigo nos pontos que levantei mas uma pergunta precisa ser respondida: Qual o resultado da contemplação ao deparar com a vida prática? A resposta vem da narrativa da morte de Lázaro, irmão de Marta e Maria, no Evangelho de João. Segundo o texto, Lázaro adoece e Jesus é chamado para ajudá-lo. Jesus a Seu tempo vai ao encontro da família que Ele amava, mas Lázaro já havia morrido. Marta ao saber que Jesus se aproxima sai ao seu encontro. Neste momento podemos observar o resultado da contemplação:
"Disse, pois, Marta a Jesus: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá." v. 21-22
Marta aproxima-se de Jesus e cobra-O por não estar presente. Não demonstra interesse em quem Jesus é e sim no que Jesus faz, algo típico de cristãos pragmáticos. Maria por sua vez é chamada por sua irmã Marta para ir até Jesus dizendo que Ele a chamara, embora o texto nada nos diz sobre isso. O pragmatismo de Marta de nada lhe serviu. Restou-lhe recorrer a sua irmã que buscou ter relacionamento com Jesus antes de lhe servir. Maria vai ao encontro de Jesus, depressa, e ao encontra-lO prosta-se aos pés de Cristo e diz:
"Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido." v. 32
Maria aproxima-se de Jesus e rende-se aos Seus pés, algo que só quem reconhece o senhorio de Cristo faz. Ela repete a afirmação de Marta, no entanto não ousa cobrar uma ação de Jesus. O que ela espera dEle é compadecimento. E ela alcança. O texto diz que Jesus comoveu-se profundamente e no verso de número 35 o mais assombroso ato do Criador pela criatura amada acontece: "Jesus chorou". Se a história acabasse aqui já teria sido suficiente para nos dizer quem é Jesus, qual o Seu caráter e sentimento por nós.
Uma vida cristã pragmática irá construir um relacionamento funcional com Deus. Criará na mente nos novos convertidos uma idéia de um Deus mordomo dos nossos prazeres que só tem serventia enquanto criador de possibilidades. Diferentemente, uma vida cristã relacional de contemplação do Deus vivo, através da leitura bíblica, da comunhão com os irmãos, orações e jejuns irá construir um relacionamento de amor com Deus. Irá inserir na mente das pessoas que Deus não é somente Criador, Ele é também Salvador.
A Igreja precisa de Martas, mas Deus está ansioso pelas Marias.
*"Mas disse-lhes Tomé: Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei." - João 20:25
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